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De Raquel Morais · Em Junho 22, 2022

Johnny Guitar (1954), de Nicholas Ray, é, sem surpresa, marcado pela chegada do homem que lhe dá o título, Johnny Logan (Sterling Hayden), antigo pistoleiro rebaptizado pelo instrumento com que ocupa agora as mãos. No início do filme, vemo-lo chegar ao seu destino depois de uma longa travessia.

Johnny Guitar (1954) de Nicholas Ray

Esta crónica marca o início da segunda parte de uma outra viagem. Da lista de vinte e dois filmes sobre a qual me propus escrever, percorremos já metade. Faço como a anciã de Trás-os-Montes (1976), enquadrada no fotograma que encabeça o preâmbulo da rubrica, e reúno nas mãos alguns fios que chegam de outras crónicas: a presença anterior das pessoas nas casas, em Ozu [Sanma no aji (O Gosto do Saké, 1962)]; os vestígio deixados pelas coisas, em Ford [The Searchers (A Desaparecida, 1956)]; as manifestações no visível do invisível, em Rossellini [Viaggio in Italia (Viagem em Itália, 1954)]. 

Todos estes aspectos recorrem de modo assinalável nesta obra de Ray, onde as pessoas tomam o nome dos seus ofícios, como Guitar, e tocam canções que transportam o passado, onde os edifícios recebem o nome de quem os construiu, como o saloon da protagonista, Vienna (Joan Crawford), e carregam memórias nas suas tábuas e traves, onde o passado tem uma ascendência extrema sobre o presente.

Na sequência disso, penso sobre de que forma este é um bom filme para assinalar a ideia de meio, porque todo ele é feito, como os contos de fadas, de duelos entre o bem e o mal, entre a donzela guerreira e a bruxa má, que quase sempre envergam roupas num esquema de cores invertido. É um filme de duplicações, de efeitos de espelho, de travessias entre sonho e realidade, verdade e mentira, passado e presente, vida e morte. 

Johnny é de alguma forma o ponto médio para Vienna e para as outras personagens do filme: é o elemento estranho ao grupo que aterra no meio das duas facções rivais e que tenta não se comprometer com nenhuma, apesar de haver por detrás da sua aparente neutralidade um interesse velado, ao qual o desenrolar da narrativa parece responder – de alguma forma a sua reconciliação com Vienna irá depender de não pertencer a nenhum dos lados e de poder surgir assim como uma espécie de salvador. Para Vienna, Johnny, amor que chega do passado num dia de vento, surge como um agitador. Ela, que se mantém inarredável perante todas as outras forças, é transportada por ele, de diferentes formas, em avanços e recuos.

Neste filme, quase tudo acontece através de um terceiro elemento, uma espécie de terceira via, no qual se resolvem ou antes confluem as dualidades.

Quando Johnny chega, no início do filme, Vienna vive obcecada com o futuro, pedindo aos croupiers que mantenham a roleta a rodar ou accionando ela mesma o mecanismo. Construiu o saloon sobre o seu passado de cortesã, comprou a peso de ouro a liberdade, como a inimiga, Emma Small (Mercedes McCambridge), e Johnny lhe lembram por mais do que uma vez. A primeira destrata-a chamando-lhe “rail road tramp”; o segundo faz recair sobre ela o ressentimento que sente por ver maculado o objecto do seu amor – “A man takes a pride in something he really cares for” – um moralismo exacerbado que Vienna contesta veementemente. Ergue o seu abrigo num espaço igual àquele em que foi objecto de submissão, reinventando as regras e tornando-se rainha e senhora dos homens que ali trabalham e se entretêm.  

Se o seu é um movimento de fuga para a frente – anseia pela chegada da ferrovia, contrariando a ordem vigente que o bando de homens encabeçado por Emma procura manter –, Johnny vem desestabilizar o curso que Vienna determinara, começando num plano magnífico em que, como Eurídice, a puxa para trás. Ela, como Orfeu, esquece por momentos tudo para se entregar a um movimento anacrónico que parece aproximar os amantes, mas que em última instância os afasta. Esse momento de distração marca precisamente o começo da sua desgraça, e leva-a em direcção à morte. Será Guitar, o músico, contrariando o mito, a regastá-la em duas cenas diferentes.

A primeira é aquela em que o bando de Small se prepara para executar Vienna na forca. É para a frente e contra a morte que Johnny a puxa então. A segunda, uma das mais interessantes do filme, que nos lembra que Johnny Guitar se constituiu inteiramente como uma obra sobre o desejo e sobre o que se faz com ele, é a cena do tiroteio final, em que as personagens parecem disparar não contra o inimigo, mas contra aspectos particulares de si próprios, isto se aceitarmos como verdadeira a hipótese colocada inicialmente pela protagonista: o ódio de Emma contra o Dancin’ Kid (Scott Brady), que ama Vienna, teria nascido de um desejo não correspondido e reprimido. Emma dispara contra a outra mulher, alvo dos ciúmes, mas o seu último tiro direcciona-se precisamente ao seu objecto de desejo, o Dancin’ Kid, desprovido de instinto de auto-preservação ao tentar salvar Vienna; esta, por sua vez, dispara contra Emma, a mulher que recusa o amado. Tal como Emma, também Vienna vive a dualidade entre rejeitar e aceitar o homem que ama, como as suas conversas com Johnny no saloon exemplificam na perfeição. Neste filme, quase tudo acontece através de um terceiro elemento, uma espécie de terceira via, no qual se resolvem ou antes confluem as dualidades.

Não me parece, em rigor, contraditório que, no interior de um filme como Johnny Guitar, alguém possa ser um pistoleiro sem arma. Aqui, em cada coisa está contido o seu exacto oposto, ainda que esses opostos não sejam necessariamente permutáveis. 

Se em certo sentido a reconciliação entre Vienna e Johnny já tinha sido iniciada (a distracção orfeica de Vienna, Crawford reencarnando Jean Marais), os termos em que se descreve não parecem suficientes para um desfecho feliz. Será necessário que o saloon, afirmação inequívoca da revanche da protagonista contra Johnny, seja destruído pelo fogo, numa actualização da mentira que, no meio dos jogos em que mistura ficção e realidade, lhe conta: “When a fire burns itself out, all you have left is ashes”. 

Joaquim Sapinho, lembrando as aulas de cinema com António Reis, escreveu que “Johnny é um grande pistoleiro, mas no filme não dispara um único tiro”, para logo imediatamente corrigir a inexactidão cometida: “a única vez em que dá um disparo no filme é para desarmar um jovem pistoleiro que não sabe o que faz com a sua arma”, Turkey (Ben Cooper). É relevante que seja esta a única vez em que vemos Johnny disparar. De acordo com a mesma lógica que preside ao tiroteio de que acima falei, aquilo que Johnny faz nesta cena é enfrentar a imagem do jovem pistoleiro que em tempos foi, como se estivesse a desarmar-se a si próprio. E, de modo relevante, é contra a arma que aponta, não contra o rapaz. 

Sapinho pergunta, “como é que sabemos que [Johnny] é um grande pistoleiro?”, reconhecendo a estranheza de um pistoleiro sem arma. Conclui que é pela forma como este antecipa os movimentos de todos aqueles que o rodeiam, resposta à qual me parece faltar ainda uma peça, talvez por achar que a própria pergunta é aqui, desnecessária. Não me parece, em rigor, contraditório, por razões talvez distintas das de Sapinho, que, no interior de um filme como Johnny Guitar, alguém possa ser um pistoleiro sem arma. Aqui, em cada coisa está contido o seu exacto oposto, ainda que esses opostos não sejam necessariamente permutáveis. 

Em Johnny Guitar, qualquer regresso é, à partida, impossível, como noutro filme de Ray, We Can’t Go Home Again (1972-1979). A pergunta que parece antecipar a sugestão de que Johnny é, mesmo sem disparar, um pistoleiro, traduzir-se-ia em: “pode uma pessoa deixar alguma vez de ser quem era?”. Do outro lado do espelho surge uma pergunta inversa, ainda mais difícil de responder: “pode uma pessoa voltar alguma vez a ser quem foi?”.

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Raquel Morais

“Teus dois cinemas, um ao pé do outro, por que não se afastam/ para não criar, todas as noites, o problema da opção/ e evitar a humilde perplexidade dos moradores?/ Ambos com a melhor artista e a bilheteira mais bela,/ que tortura lançam no Méier!”

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