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“Mr. Klein”: Robert Klein é Robert Klein?

De Daniela Rôla · Em Abril 27, 2021

Estamos em Paris, no ano de 1942. Num consultório médico presenciamos um exame repugnante, em que o médico examina a paciente como gado, procurando nela características morfológicas que lhe permitam atribuir-lhe uma raça. A mulher é totalmente humilhada e, no fim, ainda paga o preço da consulta que lhe é comunicado pela enfermeira. No corredor do hospital, repleto de tantos outros que se sujeitarão a exame semelhante, a mulher encontra o marido. Ambos são incapazes de dizer uma palavra sobre o que acaba de acontecer, mais não dizendo do que “correu bem”. Os dois rostos perdem-se na escuridão da contraluz, incapazes de produzir qualquer discurso sobre o inenarrável.

Mr. Klein (Um Homem na Sombra, 1976) de Joseph Losey

Passamos para um apartamento ricamente decorado, uma mulher que languidamente se espreguiça na cama. Ouvimos duas vozes masculinas, quase em surdina, uma transacção que está a ter lugar na sala do andar de baixo. Depois do choque daquela cena inicial, Losey deixa-nos ainda em suspenso até que Alain Delon surge à nossa frente num robe dourado, um dandy aprumado, o lenço de linho fino no bolso do peito. O décor do apartamento é, também ele, opulento, feito de todo um bric-à-brac que nos absorve o olhar (aliás, os planos meticulosamente construídos vão-se sucedendo, numa riqueza visual impressionante).

Se Robert Klein vai procurando pistas de uma existência muito incongruente do outro Robert Klein, Losey vai-nos apresentando pistas bem reais da história que se vai construindo e de uma inevitabilidade que se aproxima vertiginosamente. 

Aquilo que vemos torna um pouco ridícula a frase que ouvimos da boca de Robert Klein (Alain Delon) – “eu não sou um coleccionador, isto é apenas a minha profissão”. Nada há de pessoal na transacção que está a decorrer, a aquisição do quadro é um mero negócio, destituído de sentimentos ou sentimentalismos, é pegar ou largar. O proprietário do quadro é judeu, desesperado para vender a obra que pertence à família há várias gerações, um retrato de um homem pelo pintor holandês Adriaen van Ostade. Pede pelo quadro 600 luíses de ouro, mas Klein apenas está disposto a pagar-lhe 300, aproveitando-se, de bom grado, do estado de debilidade do proprietário de quadro. Na verdade, vemos o sorriso no rosto dele enquanto, satisfeito, preenche o recibo, contente por ter procedido inteiramente como cidadão cumpridor da lei, bastando-lhe a convicção podre de um negócio celebrado “livremente” entre quem queria vender e quem queria comprar. Isso é suficiente.

Quando ambos se encaminham para a porta, Klein recolhe do chão um jornal, uma publicação dirigida especificamente à comunidade judaica. Aparentemente, há ali alguma confusão entre ele e um outro Robert Klein, a quem deveria ter sido endereçado o jornal. O que há de genial na escolha de Alain Delon como protagonista de Mr. Klein (Mr. Klein – Um Homem na Sombra, 1976) torna-se evidente neste momento. O olhar frio e seguro de Delon que nos habituámos a conhecer torna-se transparente, deixa vislumbrar uma inquietação. Se Robert Klein vai procurando pistas de uma existência muito incongruente do outro Robert Klein, Losey vai-nos apresentando pistas bem reais da história que se vai construindo e de uma inevitabilidade que se aproxima vertiginosamente. 

De forma obsessiva, Klein embarca na tarefa de procurar provar que não é uma pessoa que ele desconhece, procura uma imagem de um outro Klein, afirma-se como “homem errado” – ecoando o mais assustador dos filmes de Alfred Hitchcock, The Wrong Man (O Falso Culpado, 1956). Klein movimenta-se numa Paris fria, tão fria quanto os olhos de Alain Delon que recordamos dos filmes de Melville. Por toda a cidade se sente a presença de um “outro”, até mesmo nas sombras que quadros entretanto removidos deixaram no papel de parede. Paralelamente, Klein investiga-se a si próprio, interrogando o seu pai, tentando provar as suas origens.

The Wrong Man (O Falso Culpado, 1956), de Alfred Hitchcock

Quem é o Robert Klein que supostamente deveria ter recebido aquele jornal? Na verdade, isso vai-se tornando cada vez menos importante, ele poderá ser tão real quanto o George Kaplan de North by Northwest (Intriga Internacional, 1959). Robert Klein vai procurando pistas sobre o outro Klein e, pelo caminho, vai absorvendo os traços e a vida do seu duplo, entre a confusão da cidade com emanações de real e da cidade com emanações de cenário. De tal forma que até mesmo o cão do outro Klein acabará por reconhecê-lo como o seu dono. Pela mão de Losey vamos planando entre três estados que o realizador identifica no seu filme: a realidade, a irrealidade e a abstracção.

França é aqui retratada no seu momento de maior vergonha, o passado colaboracionista com que o país se mostrou durante muitos anos incapaz de lidar (recorde-se que ainda recentemente, em 2017, o presidente Emmanuel Macron reconheceu o envolvimento francês na detenção e consequente deportação e extermínio de milhares de judeus franceses). O que nos leva à obra de Marcel Ophüls, Le chagrin et la pitié (Tristeza e Compaixão, 1969), filme que recuperou muitos desses fantasmas do passado francês. E, concretamente, ao momento em que é entrevistado um outro Mr. Klein, Marius Klein, um pequeno comerciante que nos conta, sem embaraço, como se viu forçado, perante suspeitas lançadas anonimamente, a publicar um pequeno anúncio num jornal declarando que não era judeu.

Le chagrin et la pitié (Tristeza e Compaixão, 1969), de Marcel Ophüls

O nosso Mr. Klein lança-se numa busca inglória, procurando pelo seu duplo, o seu negativo, esse homem que ameaça a sua existência. Mas essa ameaça não terá origem no quadro que ele adquiriu no início do filme? O quadro parece carregar em si uma maldição – repare-se como é o único objecto que resiste, mesmo quando o apartamento fica despojado de todo o seu recheio, que havia sido apreendido pela polícia. A ligação de Klein ao quadro foi-se estreitando sem que disso déssemos conta, a ponto de ele recusar-se a deixar que o quadro seja confiscado pela polícia, dizendo que aquele quadro não é uma mera mercadoria comercial, mas antes um bem pessoal.

Afinal, num mundo kafkiano, a verdade não garante qualquer apaziguamento. Não há consolo certo na verdade.

Quando a polícia entra no apartamento de Klein, não para o tratar como um cidadão respeitável, como sucedera anteriormente, mas antes como um indesejável a ser perseguido, estamos já mergulhados num mundo distópico orwelliano de coisas que contêm em si mesmas o seu contrário – o polícia diz que o facto de ter sido Klein a tomar a iniciativa de contactar a polícia nada abona em seu favor, afirmando que não seria a primeira vez que alguém se mostrava como forma de melhor se esconder. Este é um traço que Christian Ledieu identifica no cinema de Joseph Losey: “Chaque geste, chaque regard renferme son « négatif » – telle une médaille montrée dans ses côtés pile et face -, qui ne le suit ni le précède, mais est tout entier contenu en lui-même.” (Joseph Losey, Christian Ledieu, Seghers, 1963).

Na sua fase de declínio, Robert Klein parece alhear-se da inversão de papéis que se foi operando. O quadro que ele contempla e que o contempla a ele, o quadro que poderia ser ainda um outro duplo de Klein (distintamente vestido e usando chapéu). Ele, que procurou que o dono do quadro lhe oferecesse uma genealogia do quadro, uma “certidão de nascimento”, uma proveniência segura, é incapaz de fornecer informações inequívocas sobre as suas próprias origens. Encontraremos Klein sentado no seu apartamento, no mesmo robe dourado que agora parece ser um despojo destituído de brilho, à sua frente o amigo que se propõe comprar o apartamento por um preço muito abaixo do seu real valor, preço que Klein não pode contestar porque chegou a hora de ser ele a cair em desgraça.

Na sua visita a Estrasburgo, quando Robert pesquisava provas da sua ascendência, ouvimos o seu pai falar de consciência (mesmo sem ter reparado que estava a falar para o filho). Dizia que, ainda que sendo avarento, egoísta ou hipócrita, um homem nunca deve deixar de ser consciente. Robert responde-lhe que o resultado é o mesmo, ao que o pai replica “já ouviste falar de remorsos?”.

Robert Klein chega a descobrir o significado do remorso? Temos dificuldade em acreditar nessa redenção. Ele persegue antes de mais o enigma, ele quer conhecer o “outro” e vai ganhando o gosto do desafio da autoridade (ou uma indiferença face a ela). Robert afirma, perante o pai, que um homem com remorsos mais não será do que um abutre ferido por uma flecha, isso não o impedindo de voar. Ele procura a verdade, seja lá o que ela for, a dado momento acreditando que ela pode ser produzida por documentos ou certificados vindos de arquivos em Marselha ou na Argélia, mas para nos deixar apenas com a certeza de que ela é fugidia. O pai alude vagamente a uma outra família Klein com origens holandesas (um pedigree semelhante ao do quadro). Afinal, num mundo kafkiano, a verdade não garante qualquer apaziguamento. Não há consolo certo na verdade.

No Vélodrome d’Hiver vemos Robert Klein perdido no meio da multidão, enquanto nos megafones se ouve o nome Klein (o nome dele ou o nome do “outro”?), e nas bancadas encontramos o proprietário original do quadro, vendo Klein tão perdido quanto ele. O filme termina no silêncio, sem música, na desolação opressiva e vazia do inevitável.

Mr. Klein (Um Homem na Sombra, 1976) de Joseph Losey será exibido no ciclo Rever Joseph Losey, da Medeia Filmes: dia 30 de Abril e 4 de Maio no Porto (Teatro Campo Alegre), e dias 28 de Abril e 3, 6, 9, 10 de Maio em Lisboa (Cinema Nimas).

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Daniela Rôla

"In Hyde Park, for instance, some people like to feed nuts to the squirrels. But if it makes you happy to feed squirrels to the nuts, who am I to say, «nuts to the squirrels?»" - Cluny Brown, Ernst Lubitsch (1946)

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