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“Cosmopolis”: padrão-ratazana

De António San-Payo · Em Março 3, 2021

I see it all, I see it all, I see it all, I see it all

Swans, “The Seer”

Em Cosmopolis (2012), David Cronenberg dá-nos a conhecer Eric Packer, jovem especulador multimilionário que construiu a sua fortuna com previsões dos movimentos do dinheiro nos mercados financeiros. O dia a dia de Eric, passado numa das centenas de limusinas que percorrem as estradas de Nova Iorque, resume-se a uma sucessão de exercícios de futurologia sobre o valor dos mais variados activos financeiros, numa busca incessante de brechas para arbitragem passíveis de proporcionar um rápido enriquecimento. A personagem de Don DeLillo, encarnada por Robert Pattinson, representa o típico “perito” dos mercados financeiros, alguém cujas decisões de investimento são mimetizadas por todos os outros investidores em contexto de incerteza e que, como tal, têm a capacidade de alterar as condições do seu habitat. Num sistema financeiro com cada vez menos barreiras à circulação de capitais, e onde os próprios governos dão por si subordinados à lógica dos mercados desregulados, são indivíduos como Eric que determinam as condições económicas e sociais de todos os outros. No universo de Cosmopolis, a vida do cidadão comum é transformada numa profecia de especuladores videntes, que perpetuam um status quo financeiro através dos seus jogos de adivinhas autorrealizáveis. Mas o que acontece quando a profecia não se realiza? DeLillo colocou essa questão, premonitoriamente, no seu livro publicado pouco antes da Grande Recessão de 2007-2008. E se hoje continua a ser importante revisitar a adaptação de Cronenberg, é porque as respostas encontradas até ao momento não foram, de todo, satisfatórias.

Cosmopolis (2012) de David Cronenberg

Por trás da sua racionalidade semi-robótica, aparentemente infalível, que lhe permite apoderar-se do presente e determinar o futuro, Eric esconde traços de uma fragilidade humana que se vão evidenciando de forma trágica ao longo do filme. Conhecemos rapidamente a sua paixão por poesia, e em particular, pelos versos das “Notícias da Cidade Sitiada” de Zbigniew Herbert (“a unidade monetária passou a ser a ratazana”). Vemo-lo lacrimejar perante o anúncio da morte de um dos seus artistas favoritos, um rapper sufi conhecido como Brutha Fez no meio musical. Mas talvez mais ironicamente, Eric faz as suas previsões financeiras numa limusina que mandou forrar a cortiça, num gesto de homenagem a Marcel Proust. O mesmo Proust que, na sua famosa Recherche, denota uma fixação pelo passado diametralmente oposta à que Eric tem pelo futuro.

Esse constante braço de ferro entre passado e futuro parece ser o ponto central de Cosmopolis. Com efeito, Eric baseia as suas profecias em modelos padronizados que reflectem o palpitar da biosfera, mapas de informação com diversos índices actualizados ao milissegundo, mas ignora pequenos pormenores e subtilezas previamente instaladas, irregularidades inatas da natureza, causas que acabam por escapar ao seu calculismo gélido. Tal acontece quando o protagonista decide apostar toda a sua fortuna na descida do iene, no mesmo dia em que regressa ao bairro da sua infância para cortar o cabelo. Perante a imprevisibilidade dos movimentos da moeda japonesa, e na sua insistência em especular no vazio, acaba por endividar-se até ao ponto de não retorno, arrastando consigo o restante sistema financeiro num delírio mimético.

“Toda a economia entrou em convulsão porque o homem parou para respirar”, diz a certa altura uma conselheira de Eric. Não deixa de ser interessante notar que, no mesmo ano em que saiu o filme de Cronenberg, uma declaração de Mario Draghi (à data presidente do Banco Central Europeu) fez mais pelas economias do Sul da Europa do que as medidas de austeridade.

Se em 2012 já conhecíamos o lado vampírico de Pattinson, em Cosmopolis vemo-lo encarnar uma nova espécie de vampiro. Não um vampiro que se alimenta a sangue e fantasias pré-adolescentes, mas um vampiro que se alimenta do tempo mecânico do relógio capitalista, do horror e desespero de países longínquos em crise. Como observa Vija Kinsky, chefe da sua equipa de teóricos, “as pessoas deixaram de pensar na eternidade e passaram a concentrar-se nas horas”. Enquanto vampiro-vidente, Eric suga essas horas humanas mensuráveis, absorvidas em fluxos de informação, cristalizadas nos mais variados instrumentos financeiros que promovem uma eficiência implacável na gestão de fortunas. Ao perpetuar o seu legado avarento, o jovem visionário experiencia uma nova forma de eternidade, numa relação privilegiada com o tempo proporcionada por uma combinação harmoniosa entre mercados irrestritos e ciber-capital.

Um belíssimo plano na sequência do motim parece confirmar a faceta vampírica de Eric, mostrando-nos o especulador em pose de Drácula, deitado de barriga para cima num dos bancos da sua limusine como se de um túmulo se tratasse. Na mesma sequência, Kinsky –interpretada por Samantha Morton, ex-precog de Minority Report (Relatório Minoritário, 2002), quem melhor para ter uma conversa de videntes? – anuncia que algo vai acontecer naquele dia, algo tem de acontecer, pois é essa a lei da selva capitalista: destruição forçada de velhas indústrias, novos mercados conquistados pela força, reposição da normalidade da natureza. Uma correcção da aceleração do tempo que impede que o presente seja sugado pelo futuro, roubando assim a essência vital do protagonista. Porque também a excepcionalidade de Eric vai de par com as suas malformações, a sua próstata assimétrica, com um conjunto de vicissitudes que impossibilitam o prolongar da sua existência vampírica.

Cosmopolis (2012), de David Cronenberg

“Toda a economia entrou em convulsão porque o homem parou para respirar”, diz a certa altura uma conselheira de Eric, a propósito de um discurso do ministro das finanças. Não deixa de ser interessante notar que, no mesmo ano em que saiu o filme de Cronenberg, em plena crise das dívidas soberanas da Zona Euro, uma simples declaração de Mario Draghi (à data presidente do Banco Central Europeu) fez mais pelas economias do Sul da Europa do que as medidas de austeridade draconianas implementadas por vários governos. Não tardaram a surgir estudos e teorias sobre as cores das gravatas usadas por Draghi às quintas-feiras, por poderem ser um bom indicador de política monetária. A sua sucessora, Christine Lagarde, passou a ter de ler os seus discursos na íntegra – não vá uma pausa para respiração atiçar nos mercados uma centelha de nervoseira desnecessária. Tal demonstra a actualidade assombrosa de Cosmopolis, num mundo onde figuras como Eric continuam a ter um papel mais preponderante do que governos democraticamente eleitos.

“As pessoas ainda tentam matar presidentes a tiro? Pensei que houvesse alvos mais estimulantes”, observa o protagonista. E se no livro a sua morte a tiro é-nos revelada logo no primeiro capítulo, Cronenberg opta por suprimi-la antes dos créditos finais. Como se não coubesse a Benno Levin, ex-funcionário da empresa de Eric, despedido sem aviso prévio nem indemnização, a responsabilidade de pressionar o gatilho e pôr termo à vida do vampiro multimilionário que o atirou para a miséria. Talvez a batata quente esteja nas mãos do espectador.

Cosmopolis encontra-se disponível, para aluguer, na plataforma de VOD nacional, Filmin.

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António San-Payo

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