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Cinema em Casa, Críticas 0

“Dans la maison”: o cineasta-térmita confinado nas suas personagens

De Luís Mendonça · Em Janeiro 12, 2021

A um nível quase estritamente intuitivo, a imaginação é como uma paisagem sem limites ou fronteiras, onde é permitido que tudo aconteça, mesmo subvertendo as leis da verosimilhança ou rebentando com os grilhões que nos prendem a este mundo. Imaginar pode significar, a esse nível intuitivo, viajar ou expandir livre e despreocupadamente. É, nesse sentido, um espaço de recreação desregrado que vai sendo construído, peça a peça, até eventualmente se tornar um universo à parte, pensado, sonhado, mas não realizado. Podemos realizar esse universo através da escrita ou de qualquer outra arte efabulatória – aquela que nos ocupa aqui é, claro, o cinema. Portanto, a imaginação expande-se, cria, recria num recreio sem limites. Mas a imaginação em Dans la maison (Dentro de Casa, 2012) não só tem os pés firmemente assentes na realidade como está delimitada pelo espaço da casa – o título sugere mesmo a ideia de que a ficção vem de “dentro” e não de “fora”. É, então, um exemplar de uma imaginação realizada pelo cinema, que aparece perfeitamente contida ou, para usar um termo mais em voga, perfeitamente confinada.

Dans la maison (Dentro de Casa, 2012) de François Ozon

Estamos ali “dentro”. E especularemos sempre, por via da “escrita” de imagens de Ozon e das palavras do seu jovem protagonista, um aspirante a escritor de imaginação prodigiosa e revelando boas doses de perfídia – será ele como o realizador ele mesmo, em suma? O protagonista é um aluno de secundário que convida “a entrar” o professor de francês cheio de si, que é, na realidade, um escritor desiludido que alimenta o ego dando notas baixas aos alunos cuja escrita não beije os pés a Flaubert ou Dostoiévski. Dizia: o aluno convida o mestre a entrar. Entrar onde? Na casa de um colega – a casa existe, o colega também, achamos… – tal como descrito num romance que vai sendo construído a cada nova redacção destinada à avaliação ou entregue como singelo T.P.C.. A regra inviolável é definida pelo rapaz logo à entrada: será aceitável que o professor se constitua como uma espécie de “orientador” na construção desta história, contudo, está fora de questão que a narrativa ponha os pés fora da casa, isto é, ultrapasse os seus limites, desfazendo a tal relação opaca com o exterior. O aluno-escritor não pretende, de maneira alguma, afastar-se um milímetro desse esforço, algo detectivesco, de inspeccionar a típica “vida de classe média” da família do colega de turma, registando cada uma das leis ou rotinas que delimitam o interior daquela casa.

Um dos dados curiosos – dos que são lançados desde cedo nesta história ou meta-história, qual narrativa sobre o seu próprio “fazer” – prende-se com esta espécie de inversão produzida por Ozon no seio da relação entre mestre e aluno. À medida que o mestre põe o nariz na escrita do aluno, brandindo lições cheias de certezas quanto ao que é e como se faz “a boa literatura”, o narrador-pupilo vai ganhando distância sobre a pureza descritiva, e o afiado sentido observacional, político ou “de classe”, que caracterizava a primeira recensão. Sob influência de fórmulas academizantes, o aluno perde a mão sobre a sua história, sobre os limites que, desde cedo, o fascinam. A maturidade literária do rapaz – a sua imaginação auto-contida – vai sendo ameaçada pelo pensamento gasto, saturado de fórmulas e jactância peneirenta, do professor.

Dans la maison é capital para se perceber este movimento em direcção a um cinema que é puro exercício de escrita ou puro exercício intelectual comandado pelo efeito do novelo e das palavras que o vão desenrolando, a velocidades muito variáveis e traiçoeiras.

O resultado é que o filme de Ozon, tão promissor no começo, vai sendo minado, bem “de dentro”, pelos “bitaites” do professor presunçoso. A presunção é a capa dos fracos de espírito e Ozon é simultaneamente dos mais inteligentes e menos vaidosos dos cineastas, mas também é dos mais perversos. A sua escrita fílmica tem-se tornado cada vez mais imprevisível filme após filme, ainda que evidenciando uma muito ilusória “ausência de esforço” . De Dans la maison ao mais recente Été 85 (Verão de 85, 2020), passando ainda por L’amant double (O Amante Duplo, 2017) e Grâce à Dieu (Graças a Deus, 2018), só para citar mais dois títulos, Ozon colecciona “exercícios de escrita” muito habilidosos, que, enquanto nos divertem – nos divertem de maneira superficial, entenda-se -, lá vão, nas entrelinhas, minando as fórmulas tradicionais do thriller sob a capa de uma bem falsa leveza literária – capa essa que vai sendo levantada, em jeito de strip tease intelectual, permitindo verificar, à maneira não de um Hitchcock mas já de um Brian De Palma francês, que o que está sendo posto em jogo é quase sempre a própria mecânica do filme na relação com o espectador. Dans la maison é capital para se perceber este movimento em direcção a um cinema que é puro exercício de escrita ou puro exercício intelectual comandado pelo efeito do novelo e das palavras e acções que o vão desenrolando, a velocidades muito variáveis e traiçoeiras.

É isso que me seduz mais aqui, neste Ozon, neste Ozon desde Dans la maison: este é um filme tomado pelas suas personagens e por um certo modo de estas se – e nos! – emaranharem numa teia narrativa tão trabalhada que acaba por correr o risco de se tornar simplesmente má. Quando digo “má”, digo: “mau cinema”. Ozon – como sabemos de outro filme subestimado e muitíssimo “de palmaniano”, Une nouvelle amie (Uma Nova Amiga, 2014) – não tem medo do kitsch, das soluções visuais e narrativas esdrúxulas ou inverosímeis (as mais esdrúxulas e as mais inverosímeis, por vezes). A sua imaginação é tão inteligentemente perversa que este não tem receio de “sacrificar o bom cinema” em benefício desse exercício de tomada de poder das personagens sobre a história. Com efeito, há sempre dois tabuleiros, onde Ozon joga, a dada momento nos seus filmes, de maneira simultânea: a história no filme e a história do filme, a história que é narrada e a narração propriamente dita. Se uma das personagens – no caso, o professor – impõe más soluções através das suas lições académicas e serôdias, pois então é “natural” que a narração acabe reduzida a uma mão cheia de clichés ou termine sequestrada por fórmulas mal temperadas.

Pois bem, a última imagem de Dans la maison é um “Hitchcock de trazer por casa” tão excitante quanto liminarmente tosco: uma fachada de um prédio moderno é “objecto” de todo o tipo de efabulações por parte do aluno e o seu professor, agora já “ex-professor”. Num banco de jardim, os dois brincam aos escritores, imaginando narrativas associadas a cada “quadrado” dessa fachada (cada janela ou apartamento). É um Rear Window (Janela Indiscreta, 1954), mas “jogado” de fora para dentro, de um exterior para vários interiores. O movimento narrativo continua a obedecer à regra – a única que se manteve relativamente inviolada ao longo do filme – estabelecida pelo aluno: “não sair dos limites de uma casa”. Como o predador que mede a distância em relação à presa, o aluno, na companhia do tutor caído em desgraça, congemina o futuro da próxima ficção. Tenho quase a certeza que, se o filme continuasse, e mostrasse o resultado destas novas “investidas literárias”, a qualidade do cinema baixaria ainda mais, porque Dans la maison é, no fundo, a história de um mau escritor, que vai perdendo a vontade de fazer a barba, a tentar dominar e ensinar um óptimo escritor sem pêlo que se veja no rosto, sendo que este último nunca contestou – e certamente não contestará, como indica esse final parahitchcockiano – a relação de poder previamente instituída.

O vilão da história – porque acaba por matar o bom cinema contido na história que nos é narrada logo no início, na primeira redacção – não é, assim, o puto de inteligência pervertida, voyeurista, de intenções obscuras e olhar gélido, mas o professor de classe média, homem muito seguro de si quanto à sua alta educação e sensibilidade estética, mas cozinhando por dentro, a altas temperaturas, as suas mil e uma frustrações enquanto escritor fracassado. O rapaz – alter ego de Ozon aqui – não é o mau da fita, mas também não é o herói – de facto, se calhar é só mesmo isso: um alter ego do narrador-mor, o próprio Ozon. O cinema de Ozon tem apostado, a espaços genialmente, nisto, quer dizer, na destruição de vários lugares-comuns associados às narrativas tradicionais e na traição aos limites da própria imaginação, aliás, uma imaginação delimitada por aquilo que ele visa destruir, esses mesmos lugares-comuns. Faz lembrar a térmita ou todos os insectos que se alimentam da sua própria destruição. E como é divertido ver e participar virtualmente neste rico e imaginativo trabalho de destruição.

Dans la maison está disponível na plataforma de VOD nacional, Filmin. Outros filmes citados – e recomendados – neste artigo presentes na dita plataforma são: Une nouvelle amie, L’amant double e Grâce à Dieu.

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2010'sAlfred HitchcockBrian De PalmaFrançois Ozon

Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

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