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“Frenzy”: ovos com salsichas ou ‘pieds de porc à la mode de Caen’?

De Inês N. Lourenço · Em Junho 4, 2020

Um filme que seguisse os vários estádios da comida num intervalo de vinte e quatro horas, desde “a sua chegada à cidade, de madrugada, a distribuição, a venda, a compra por parte das pessoas, a forma de a cozinhar, os diferentes modos de a consumir (…) E, gradualmente, no fim do filme mostraria os esgotos e os detritos a desfazerem-se no mar. Porque era um ciclo que começava com as verduras frescas e apetitosas e acabava com a porcaria que sai dos esgotos. Tematicamente, o ciclo mostraria o que fazem as pessoas às coisas boas. O tema quase poderia ser a podridão da humanidade.” Eis um projecto que Alfred Hitchcock gostaria de ter levado ao grande ecrã e que descreveu nestas exactas palavras a François Truffaut, na entrevista que este conduziu em 1962. É verdade que o cineasta inglês nunca realizou esse filme na observância escrupulosa do itinerário, dir-se-ia, documental, que então expôs, mas a digestão da própria ideia – a qual acalentou durante mais de uma década – está bem à vista em Frenzy (Frenzy – Perigo na Noite, 1972), a sua penúltima obra.

Frenzy (Frenzy – Perigo na Noite, 1972) de Alfred Hitchcock

Mais do que um thriller sobre um assassino que estrangula mulheres com uma gravata e o falso culpado que acompanhamos na saga pela prova de inocência, este título é o regresso de Hitchcock à Londres da sua infância, afastado da lógica dos estúdios americanos. Por essa razão os exteriores têm tanta importância no filme, principalmente os mercados de produtos alimentares de Covent Garden, onde costumava ir com os pais em criança e se deixava fascinar pela variedade: citrinos de Israel aqui, uvas espanholas ali, tomates marroquinos acolá. Não se afigura por isso coincidência alguma no facto de o psicopata da história, Robert Rusk (Barry Foster), ser um simpático vendedor de hortaliça, por oposição ao carrancudo e temperamental homem-suspeito-inocente, Richard Blaney (Jon Finch, o Macbeth de Polanski). Este último vemo-lo logo após a cena inicial – em que o cadáver de uma mulher estrangulada, com uma gravata no pescoço, aparece no Tamisa em estilo de comentário macabro ao discurso do ecologista que falava sobre a limpeza dessas águas – a apertar a gravata em frente ao espelho e a descer para o bar onde trabalha e será despedido por se servir de um copo de álcool. A partir daí o jogo do paladar está em marcha nas entrelinhas de um conjunto de situações breves: o mercado de frutas e legumes onde ele recebe uma caixa de uvas do assassino (antes de sabermos que o é), o bar-restaurante onde pede um brandy duplo, ao mesmo tempo que a câmara se desvia dele interessada na conversa de quem entra (“O que vai querer? Uma caneca e queijo”, ao que a empregada sugere uma tarte), e à saída do bar, em pano de fundo, toda a azáfama do mercado nos gestos de quem transporta para as bancas os caixotes de alimentos frescos. Para fechar o capítulo, as uvas acabam no chão, pisadas por Blaney.

Nos preliminares (e a conotação sexual faz todo o sentido) do primeiro e único ato de assassínio que nos é dado a ver em Frenzy, Rusk diz para a vítima que, no seu ramo de actividade, é costume colocar-se na fruta o aviso “Não aperte os produtos até serem seus”; isto antes de pegar numa maçã verde trincada que está sobre a secretária dela e degustá-la enquanto tece observações sobre o almoço ligeiro da mulher que está prestes a estrangular com as suas manobras ritualísticas e sádicas de violador. À semelhança das uvas pisadas, o corpo desta mulher, carne exposta de uma maneira até então inédita no cinema de Hitchcock, acaba amassado pela resistência que ofereceu, e com a língua de fora. Sim, a língua, esse órgão que contém as papilas gustativas.

Mais tarde, um prato de ovo com salsichas (English breakfast) devolve-nos à presença do inspector que tínhamos conhecido brevemente no local do crime, a fazer o interrogatório e as diligências necessárias. Ele parece devorar tudo com particular deleite, em silêncio, sob o olhar atento de um subalterno sentado ao seu lado na secretária. A justificação para tal apetite surge minutos depois quando desabafa com este que a esposa está a tirar um curso de alta cozinha e ao pequeno-almoço só lhe dá a tomar “um café com 1 cm de altura e um pãozinho doce cheio de ar”. Para além disso, percebe-se de imediato que o inspetor não tem problemas em falar de assuntos pouco digestivos, como detalhes sobre o tipo de assassino que procuram (dos que se excitam com a morte e não com o sexo, diz ele), enquanto termina a refeição.

A referida mulher do inspector, Mrs. Oxford, é uma genial invenção de Hitch, acrescentada por ele ao argumento numa espécie de homenagem brincalhona a Alma Hitchcock – a eterna esposa conselheira de cinema, e também cozinheira. Ela representa o cúmulo do humor negro do filme que passa através das mais sofisticadas, heteróclitas e repugnantes experiências gastronómicas. O marido, imbuído de uma resignação do outro mundo, deixa-se mimosear com acepipes intragáveis. Soupe de poisson (partes de peixe e moluscos dentro de uma água suja), caille aux raisins (codornizes com uvas), e pieds de porc à la mode de Caen (pés de porco com um molho francês para tripas). A certa altura, até uma visita profissional apanha com uma Margarita de Mrs. Oxford, pormenorizada como se fosse a oitava maravilha do mundo (“tequila, triple sec, sumo de limão, sal na borda do copo”), e naturalmente aceite com decoro. Cada um destes momentos é envolvido pelos comentários e análise policial muito astuta da parte dela, que percebe mais de crime do que de cozinha. Ou talvez as duas coisas estejam visceralmente ligadas…? Desde as uvas às batatas, que vão sempre parar ao chão, ou os dedos de uma das vítimas que se partem tal como a ilustre especialista-em-boa-mesa parte os breadsticks. Esta foi a forma que Hitchcock arranjou de “evitar a inevitável cena entre os detectives na Scotland Yard”, como o próprio esclareceu.

Ou seja: em Frenzy o nosso paladar está sempre a ser desafiado por ele, o cozinheiro do flagício. Dis-moi ce que tu manges…

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Inês N. Lourenço

"On aime une histoire parce qu’on aime le conteur. La même histoire, contée par un autre, n’offre aucun intérêt." Jean Renoir

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