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Cruising pelos filmes de Friedkin: no calor do momento, no negrume da noite (parte II)

De Vítor Ribeiro · Em Outubro 27, 2019

Em certos contextos, “há uma linha ténue entre um herói e um homicida”, William Friedkin dixit: tínhamos deixado esta digressão pela obra de Friedkin, na primeira parte do artigo, em Rules of Engagement (Compromisso de Honra, 2000), que adiantáramos que se estenderia na temática a The Hunted (O Batedor, 2003), um dos mais injustamente subvalorizados filmes do cineasta americano. Se Rules of Engagement abria com o Vietname (1968), em The Hunted, Benicio del Toro é lançado no Kosovo (1999) depois de um ataque aéreo da NATO, uma missão que dá a ver um armagedom de chamas, de ruínas e de morte, que inclui o fuzilamento de mulheres e crianças, lançadas como entulho em valas comuns. Depois da missão, vemos Del Toro condecorado com a Silver Star: uma máquina de matar premiada por acções em situações singulares, ao alcance de um número muito reduzido de homens, feras humanas concebidas em treinos e ambientes ao abrigo de repartições obscuras da estrutura militar. O personagem de Tommy Lee Jones, que foi o instrutor de Del Toro, é-nos apresentado numa cena em que liberta um lobo de uma armadilha, o que antecipa que o filme abundará em perseguições, caçadas, acções que promoverão um paralelo, uma empatia, destes dois homens, com animais selvagens e uma natureza primordial. Del Toro, que atravessara a fronteira ditada por Friedkin, passa a deambular pelas florestas, a esventrar e retirar os órgãos vitais a quem o persegue [como em Rampage (O Dedo da Justiça, 1987)], até o encontrarmos no covil, onde guarda uma bíblia e uma fotografia que junta uma mulher e uma criança, como uma família iniciática, num eco do tom bíblico dado pela voz de Johnny Cash na abertura do filme, que profetiza a relação de irmandade entre Jones e Del Toro: God said to Abraham, “kill me a son”.

The Hunted (O Batedor, 2003) de William Friedkin

Há um exército em perseguição de Del Toro, uma miscelânea de ruídos, de tráfego e de linhas de comboio, mas cedo percebemos que só Jones poderá caçar o seu aprendiz, que passará a perseguir através do olfacto, a rastejar e a verificar os vestígios nas florestas que partilham com veados, ou a nadar num rio trespassado de rápidos e de quedas de água. São criaturas ancestrais, que fogem da cidade dos homens, atraídos por ambientes originários e não contaminados, para prepararem uma luta corpo a corpo, antecipada pelo fabrico das armas, de facas que resultam do trabalho do fogo sobre o metal, numa recusa da utilização de armas de fogo. O sangue que se solta da luta das feras humanas acentua as reminiscências cristãs como se fosse uma purificação ritualística e o mestre acabará a sacrificar a criatura, para depois lhe afagar a cabeça, rodeado pela fúria das águas.

The French Connection (Os Incorruptíveis Contra a Droga, 1971) e The Exorcist (O Exorcista. 1973) são dois porta-estandartes da Nova Hollywood, objectos inovadores que resultam tanto da herança da Hollywood clássica e dos seus géneros, como das vanguardas e dos ventos de mudança que chegavam das novas vagas europeias, num raro encontro de aclamação artística e de bom comportamento nas bilheteiras: era um período glorioso do cinema americano junto de um público adulto. Um mundo de homens, dois detectives da multirracial Brooklyn (Gene Hackman e Roy Scheider) e Fernando Rey, o vilão, do sul de França, a tal ligação com o crime, mas também com o cinema que o titulo valida através da presença de um importante actor do cinema europeu (desde logo em alguns filmes de Luis Buñuel). The French Connection estende-se em caves, ruas, pontes, e acumula perseguições furiosas ao longo de linhas de comboio, como um western na cidade, com uma autenticidade documental, resultado da rodagem em exteriores, mas com uma potência e uma ferocidade difíceis de igualar. Os detectives, em especial Hackman, são expostos como homens insubmissos e desregrados, obstinados com o trabalhado, disponíveis para transpor barreiras morais e éticas, num território sujo de violência. Friedkin surpreende ao traçar com leveza e cavalheirismo o personagem do senhor Rey, para caracterizar o homem da lei, Hackman, como um bad lieutenant, um produto do meio, com uma moral própria, um sentido de justiça que o leva a cometer erros que ele menoriza. Se para as antologias ficaram os close-up do rosto em cólera de Hackman, das perseguições que abriam túneis, seleccionámos outra cena: Hackman a desmembrar um carro para encontrar droga, em que a obsessão, o empenho e a energia do protagonista nos enviam para um paralelo situado noutra das paragens obrigatárias da Nova Hollywood – The Conversation (O Vigilante, 1974) de Coppola: Hackman no final do filme, a desmontar o apartamento para encontrar uma escuta, depois de uma vida solitária a escutar os outros, até à assunção da derrota no conforto de uns acordes no saxofone, recostado a uma das paredes nuas. 

The French Connection (Os Incorruptíveis Contra a Droga, 1971) de William  Friedkin
The French Connection (Os Incorruptíveis Contra a Droga, 1971) de William Friedkin

Friedkin consome metade do filme a mostrar-nos os personagens, quatro homens proscritos enfiados numa região da América Latina, através das suas acções: as suas motivações permanecem vagas, para lá da necessidade de sobrevivência. Depois, os personagens acedem a uma empresa muito particular: levar dois camiões carregados de nitroglicerina ao longo de 500 quilómetros de montanha e selva pantanosa. Em Sorcerer (O Comboio do Medo, 1977), Friedkin abeira-se do universo romântico de Herzog, com heróis que desafiam uma natureza voraz e originária, um filme que segue a prescrição herzoguiana do documentário-registo de uma rodagem problemática, sintetizado na cena da travessia de uma ponte de madeira e corda, franzina e parcialmente destruída, onde ficamos durante uns dez minutos, sob um temporal e com avanços vagarosos, e onde o cineasta terá aniquilado grande parte dos recursos de uma produção impossível. Roy Scheider, que tinha sido protagonista de Jaws (Tubarão, 1975), onde Spielberg começara a definir os espectadores do futuro, com a invenção do blockbuster, é o único que chega ao fim do percurso, a um deserto rochoso, árido e lunar, belo mas com tonalidades de um cinzento de morte: a Nova Hollywood começava a definhar, a ousadia de Friedkin, tal como as dos seus homens, não lhe seria perdoada e os péssimos resultados nas bilheteiras, empurravam-no para a condição de outcast da indústria americana; seguir-se-ia Cruising (1980), de onde assistiria à derrocada desse período, com Heaven’s Gate (Às Portas do Céu, 1980) de Michael Cimino e a falência da United Artists. Dois filmes a partir de duas peças de Tracy Letts, Bug (2006) e Killer Joe (2011), colocaram Friedkin nos carris dos festivais e do art house, o primeiro uma singularíssima actualização das paranóias e das sombras dos setentas, o segundo com o samurai McConaughey a domar uma família desarticulada e saída de uma soap opera; destes dois filmes, chegamos ao Lido e ao Leão de Ouro para Friedkin em 2013, onde foi apresentada uma cópia restaurada de Sorcerer: finalmente a ousadia da obra, a sua inadequação à indústria americana, devidamente reconhecida… na Europa.

Sorcerer (O Comboio do Medo, 1977) de William Friedkin
Sorcerer (O Comboio do Medo, 1977) de William Friedkin

Retomamos Cruising onde o deixamos, no arranque da primeira parte deste texto, na dupla penetração, do sexo e da faca, que nos apresentou o assassino. Paul Sorvino, que coxeia e revela a debilidade e a inadequação das autoridades para enfrentar estes crimes, é quem seleciona Pacino para a tarefa, pelas suas características físicas – o corpo é que manda, o corpo é que paga – e o polícia à civil passará a trabalhar o corpo, a exercitá-lo antes da descida às caves das práticas sadomasoquistas, e aos passeios pelos bosques. Um cruising que será uma caçada, mas que terá de ser precedida de “engate”, em mais um universo exclusivo de homens, de elites (professores, artistas), com uma mediação de códigos e de nomenclaturas (as roupas, os lenços) e uma fetichização dos corpos. Pacino entrega, então, o corpo à dança, à temperatura e aos suores de “The Heat of the Moment”, e passará a participar neste mundo de homens, uma exclusividade que tomará o seu quotidiano e fará definhar a relação com a companheira, interpretada por Karen Allen.

Cruising (A Caça, 1980) de William Friedkin
Cruising (A Caça, 1980) de William Friedkin

No calor da noite já habitada, então, por Pacino, os verdes do bosque ocultam corpos em movimento, como se o cruising fosse uma expansão da natureza, um contraponto ao azul urbano dos bares, das roupas e dos táxis que aguardam, com os motores ligados, junto às entradas para as caves. Este êxtase dos corpos, como um prolongamento da dança nos bares, antecipa o terceiro assassinato, em que uma faca é projectada num ecrã que exibe imagens de sexo entre homens, como uma punição de uma actividade clandestina, uma subversão que convida o cinema a participar do fetiche e do crime: as imagens em movimento contaminadas por um vírus, a antecipar a epidemia da SIDA, que eclodiria um ano depois nos EUA.

O capitulo final da caçada, com o alvo já identificado por Pacino, é um cinema em modo cruising, um jogo de olhar e ser olhado, o campo e contra-campo do “engate” como uma extensão dos rituais de selecção dos bares, que culminará na detenção do monstro e da necessidade de Friedkin, a revelar a obstinação dos seus personagens, no estudo destes indivíduos, na identificação da família como meio deformador, que em Cruising se vê projectada na figura do pai morto, a quem o assassino oferecia os seus crimes, como um condenado que espera o apaziguamento, uma absolvição.

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Vítor Ribeiro

"Não gosto da vida verdadeira e por isso me dedico à ficção. Se a literatura não existisse, eu mesmo a inventaria." Enrique Vila-Matas

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