• Homepage
    • Quem Somos
    • Colaboradores
  • Dossier
    • Raoul Walsh, Herói Esquecido
    • Os Filhos de Bénard
    • Na Presença dos Palhaços
    • E elas criaram cinema
    • Hollywood Clássica: Outros Heróis
    • Godard, Livro Aberto
    • 5 Sentidos (+ 1)
    • Amizade (com Estado da Arte)
    • Fotograma, Meu Amor
  • Críticas
    • Cinema em Casa
    • Em Sala
    • Noutras Salas
    • Raridades
    • Recuperados
    • Sem Sala
  • Em Foco
    • Divulgação
    • In Memoriam
    • Melhores do Ano
    • Palatorium Walshiano
    • Passatempos
    • Recortes do Cinema
    • Se Confinado Um Espectador
  • Crónicas
    • Filmes nas aulas, filmes nas mãos
    • Nos Confins do Cinema
    • Recordações da casa de Alpendre
    • Se Confinado Um Espectador
    • Week-End
    • Arquivo
      • Civic TV
      • Constelações Fílmicas
      • Contos do Arquivo
      • Ecstasy of Gold
      • Em Série
      • «Entre Parêntesis»
      • Ficheiros Secretos do Cinema Português
      • Filmado Tangente
      • I WISH I HAD SOMEONE ELSE’S FACE
      • O Movimento Perpétuo
      • Raccords do Algoritmo
      • Ramalhetes
      • Retratos de Projecção
      • Simulacros
      • Sometimes I Wish We Were an Eagle
  • Contra-campo
    • Caderneta de Cromos
    • Comprimidos Cinéfilos
    • Conversas à Pala
    • Estados Gerais
    • Filme Falado
    • Filmes Fetiche
    • Sopa de Planos
    • Steal a Still
    • Vai~e~Vem
    • Arquivo
      • Estado da Arte
      • Cadáver Esquisito
      • Actualidades
  • Entrevistas
  • Festivais
    • Córtex
    • Curtas Vila do Conde
    • DocLisboa
    • Doc’s Kingdom
    • FEST
    • Festa do Cinema Chinês
    • FESTin
    • Festival de Cinema Argentino
    • Frames Portuguese Film Festival
    • Harvard na Gulbenkian
    • IndieLisboa
    • LEFFEST
    • MONSTRA
    • MOTELx
    • New Horizons
    • Olhares do Mediterrâneo – Cinema no Feminino
    • Panorama
    • Porto/Post/Doc
    • QueerLisboa
  • Acção!
À pala de Walsh
Críticas, Em Sala 1

“Dragged Across Concrete”: a moral troglodita de Zahler

De Luís Mendonça · Em Julho 22, 2019

“Isto é um exagero!” A personagem de Vince Vaughn deixa escapar a frase perto do fim, quando já parece irreversível o encadeamento de “unfortunate events” que culminam num gunfight digno de Sam Peckinpah. Comecemos então não pela expressão, mas pela qualidade do texto propriamente dito: a afirmação da personagem irrompe de uma voz, indolente, mecânica e resignada, que perpassa todas as personagens deste filme. Parece que todas elas estão cientes do seu destino comum tingido pela tragédia. O realizador S. Craig Zahler é romancista, foi outrora jornalista e alguém que se iniciou nas lides do cinema como argumentista, do filme de terror The Incident (2011). De facto, a escrita aqui é trabalhada até à última silaba, sendo que, especialmente neste seu filme, o argumento é o principal cimento sobre o qual vamos sendo arrastados – pés ao alto, cabeça no chão – com pouca ou nenhuma piedade.

Dragged Across Concrete (Na Sombra da Lei, 2019) de S. Craig Zahler

Sente-se “a voz” do “autor” em cada fala, num universo fílmico reduzido ao essencial – interpretações narcotizadas (bressonianas), gestos mecânicos, sets despojados e, pormenor importante num filme americano, não há música extradiegética na banda sonora. Todo este cuidado com a métrica – a própria musicalidade da escrita – remete-nos para os densamente escritos e encenados set pieces desse grande writer director chamado Quentin Tarantino – alguém que, quanto a mim, já vai beber aos melhores escritores de diálogos do cinema americano, mais concretamente aos filmes de Billy Wilder e Ernst Lubitsch.

Posto isto, Zahler está na companhia dos melhores e a sua técnica não vai ser objecto de crítica aqui até certo ponto ou será somente no sentido em que o realizador se vai deixando embriagar com as suas próprias capacidades, acabando por ceder a um exercício de bazófia cinematográfica. Virtuosismos de escrita e de realização com vincada marca de autor – a alta pretensão não começa apenas no título literário, Dragged Across Concrete (Na Sombra da Lei, 2019). Esta é uma tramada exibição de sofisticação formal, porque, se ao invés de olharmos para o que o filme é, olharmos para o que filme procura fazer, rapidamente percebemos como esta obra vai sendo devorada pela sua bem aguda imoralidade. Uma analogia: este filme de Zahler é como um fulano que gosta de bons fatos, boa comida, leu todos os clássicos russos, mas come de boca aberta, arrota à mesa e cospe no chão.

A imoralidade de Dragged Across Concrete resulta de uma relação desonesta que o filme estabelece connosco, espectadores. Comecemos pela dimensão maquinal, precisa e “sempre inspirada”, da escrita, pelo ritmo das falas de um elenco cujas interpretações estão sincronizadas pelo mesmo relógio. As perto de três horas deste filme servem a escrita, ou seja, não é a escrita que está ao serviço deste tempo que despendemos para saber até onde irá a trama de dois “bad lieutenants” – os buddies encarnados por Vince Vaughn (surpresa bem agradável) e Mel Gibson (a atitude e tiradas racistas estão ali para nos confundirem com a verdadeira face do protagonista de Mad Max?) – que decidem ganhar uma boa maquia por fora, “na sombra da lei”.

Um poder cinemático utilizado em perfeito desprezo pelo mundo das personagens/do espectador e subordinado a um exercício desumanizado de vaidade e a uma muito cheia de si vanglória de mandar.

O filme – vamos percebendo à medida que avança no seu ritmo lânguido – está ao serviço do seu próprio virtuosismo de escrita e de uma “voz” (como aquela do Big Brother) que manda em tudo e que pode tudo, por vezes de modo cruel e implacável. Isso acontece na sequência chocante em que acompanhamos a história de uma mãe que não consegue ir trabalhar enquanto não der mais um beijinho ao seu bebé. Zahler desenrola esta sub-narrativa com a mesma lentíssima progressão dramática e a estranha sensação de desajuste dramático que contaminam o universo do filme. Perversa verificação aqui, de índole mais político: na boca destas personagens, ou desta “grande personagem” que é o filme (que esmaga tudo e todos, até uma eventual centelha de moralidade), as palavras doces soam-nos insultuosas ao passo que as palavras rudes (e racistas) soam-nos doces.

A história do bebé culmina numa cena de brutal desumanidade. Pior: este momento chega para elevar a um outro patamar o gesto exibicionista, uma vez que fá-lo subir – isto é, descer – à mais reles e pornográfica exploração emocional. A partir deste instante, fica claro ao que vem Zahler. As suas intenções tornam-se duvidosas aos nossos olhos e a sua indiferença c(l)ínica quanto ao destino das personagens transforma-se em matéria para um xadrez – sim, jogado sempre com entediante alto virtuosismo – do qual já não queremos fazer parte.

A propósito da abjecta história da mãe e do bebé, recordo as palavras de Alfred Hitchcock na célebre entrevista concedida a Truffaut, a propósito da igualmente chocante sequência do miúdo e da bomba em Sabotage (À 1 e 45, 1936): “Making a child die in a picture is a rather ticklish matter; it comes close to an abuse of cinematic power.” A frase de Hitchcock coloca o realizador numa posição moral de alta responsabilidade. Ele tem em mãos o poder de nos oferecer vidas que, por momentos, e vicariamente, tomam conta – e suplantam – esta nossa que se desenrola do lado de cá, fora do ecrã. A violência maior de Dragged Across Concrete radica no uso abusivo desse “poder cinemático”, desse jogo que estabelece com as nossas emoções, não sabendo resistir à sua – de facto, a espaços impressionante – sofisticação formal. Em certa medida, o “olhem para o que posso fazer e até onde posso ir” passa, nessa altura, a ser a única coisa que – parece-me claro – governa a experiência deste longo filme. Tudo deixa de afectar ou ter razão de existir, sem ser num texto cheio de argumentos raivosos e odiosos impecavelmente redigido. Zahler deixa-se embriagar com as suas capacidades – reais, verificáveis, mas pouco substanciais – e com as suas grandes referências cinéfilas e literárias – estará aqui, em potência, uma espécie de Nicolas Winding Refn de baixos tons, low key? Esperemos que não.

Por exemplo, o seu título anterior, e já filme de culto, Bone Tomahawk (A Desaparecida, o Aleijado e os Trogloditas, 2015) não exibia metade destas capacidades – a tal notória sofisticação de escrita e mise en scène – mas era muito mais honesto e conseguido (vide a hawksiana personagem do “Old Man” interpretada por Richard Jenkins) do ponto de vista da dramaturgia – dos tais usos da nossa empatia pelas vidas dos outros, por todas essas existências vicárias no ecrã. Dragged Across Concrete é um filme poderoso de um ponto de vista estrita e tecnicamente cinemático. Pena que esse poder seja utilizado de forma tão abusiva e… “troglodita”, em perfeito desprezo pelo mundo das personagens/do espectador e subordinado a um exercício desumanizado de vaidade e a uma muito cheia de si vanglória de mandar.

Partilhar isto:

  • Twitter
  • Facebook
2010'sAlfred HitchcockBilly WilderErnst LubitschFrançois TruffautMel GibsonNicolas Winding RefnQuentin TarantinoRichard JenkinsS. Craig ZahlerSam PeckinpahVince Vaughn

Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

Artigos relacionados

  • Cinema em Casa

    “Cosmopolis”: padrão-ratazana

  • Cinema em Casa

    “Mulher na Praia”: a maleita das imagens

  • Cinema em Casa

    “Soul”: a vida, a morte e o jazz

1 Comentário

  • Pedro diz: Julho 22, 2019 em 3:24 pm

    Esta crítica podia ser aplicada, verbatim, à maioria dos filmes do Tarantino, especialmente o Hateful eight (que não tive pachorra para ver até ao fim, coisa muito rara em mim que até o Titanic consegui ver todo…), o Django unchained (que não é grande coisa tem uma cena final absolutamente lamentável), o Inglorious basterds (que copia filmes melhores plano por plano e chama-lhe homenagem) e o Death proof (que é claramente a pior coisa que ele fez ou, esperemos, fará). Podia e devia, que o Tarantino é, provavelmente, o realizador mais sobrevalorizado do mundo. Quanto a este não sei, que ainda não o vi, mas o Bone Tomahawk é um excelente filme.

    Inicie a sessão para responder
  • Deixe uma resposta Cancelar resposta

    Tem de iniciar a sessão para publicar um comentário.

    Últimas

    • Esta é uma história sobre o amor e a mudança de direcção

      Março 4, 2021
    • “Cosmopolis”: padrão-ratazana

      Março 3, 2021
    • A vingança do “Video Home System”

      Março 2, 2021
    • “The Other”: ali, à janela

      Março 1, 2021
    • Maureen O’Hara e John Wayne, disputas conjugais – parte III: The Wings of Eagles

      Fevereiro 28, 2021
    • Amigos e comparsas na nouvelle vague

      Fevereiro 25, 2021
    • In memoriam: Jean-Claude Carrière (1931-2021)

      Fevereiro 24, 2021
    • A piscina da vizinha é o cinema da minha

      Fevereiro 23, 2021
    • “Mulher na Praia”: a maleita das imagens

      Fevereiro 22, 2021
    • Três passos numa floresta de alegorias

      Fevereiro 21, 2021

    Goste de nós no Facebook

    • Quem Somos
    • Colaboradores
    • Newsletter

    À Pala de Walsh

    No À pala de Walsh, cometemos a imprudência dos que esculpem sobre teatro e pintam sobre literatura. Escrevemos sobre cinema.

    Críticas a filmes, crónicas, entrevistas e (outras) brincadeiras cinéfilas.

    apaladewalsh@gmail.com

    Últimas

    • Esta é uma história sobre o amor e a mudança de direcção

      Março 4, 2021
    • “Cosmopolis”: padrão-ratazana

      Março 3, 2021
    • A vingança do “Video Home System”

      Março 2, 2021
    • “The Other”: ali, à janela

      Março 1, 2021
    • Maureen O’Hara e John Wayne, disputas conjugais – parte III: The Wings of Eagles

      Fevereiro 28, 2021

    Etiquetas

    2010's Alfred Hitchcock Clint Eastwood François Truffaut Fritz Lang Jean-Luc Godard John Ford João César Monteiro Manoel de Oliveira Martin Scorsese Orson Welles Pedro Costa Robert Bresson Roberto Rossellini

    Categorias

    Arquivo

    Pesquisar

    © 2020 À pala de Walsh. Todos os direitos reservados.