But is met by another
returning, oh not mine,
bot mine, and
in turn dies.
The Rhythm de Robert Creeley
Numa das últimas cenas de Eden (Éden, 2014), Paul observa uma DJ dos tempos modernos. Em vez da enorme mesa de mistura e dos vinis a que ele estava habituado desde os tempos das raves nos arrabaldes de Paris, esta usa um simples MacBook para passar música num bar/discoteca mais ou menos sossegado. É uma espécie de passagem de testemunho do DJ da velha guarda, especialista em Garage House, que já ninguém quer ouvir. É a morte de um tempo, de uma maneira de fazer as coisas. No seu lugar, a nova geração. Que, por sua vez, será substituída por outra. É disso que fala o poema de Robert Creeley, cujos versos abrem este texto e fecham o filme, inscritos no ecrã. É disso que fala esta obra de Mia Hansen-Løve.
Por isso, o tom é sempre elegíaco, mesmo no início, antes de tudo acontecer. As primeiras imagens, numa floresta (literalmente) animada, são já melancólicas, indiciando a derrota inevitável, apesar de todas as pequenas vitórias que a antecederão. Eden é um retrato de uma geração, a geração da música electrónica (para simplificar, muito), da dança comunal em grandes espaços, a geração dos Daft Punk (personagens desta história, irreconhecíveis sem os capacetes-máscaras), a geração de Sven Hansen-Løve, irmão da realizadora (e co-autor do argumento), no qual o protagonista Paul é baseado.
Esse pudor prossegue na segunda parte, do paraíso cada vez mais perdido, da realidade lamentável, do bater no fundo. Será, porventura, o traço mais marcante (embora suave) da realizadora.
Eden, que se espraia por um período de vinte anos, divide-se em duas partes – Paradise Garage e Lost in Music – mas não é exactamente um conto moral de ascensão e queda (uma fórmula conhecida no cinema). O paraíso do título está cravado de demónios: de amores destruídos, de endividamento, de becos sem saída, de afastamentos, de cocaína, de suicídio. Evidentemente, também tem algo de festivo, a música repetitiva e solar, soulful apesar de ser criada sem instrumentos “reais” (para desgosto dos rockistas), “quente e fria” como a descrevem as personagens, sustenta (estrutura) o filme, eleva-o, enleva-o. Contudo, Hansen-Løve não se serve dela para reanimar o passado, ou melhor, para “obrigar” o espectador a querer estar naquele sítio àquela hora (como costuma acontecer noutras obras sobre movimentos musicais). Sem ser no genérico final (a acentuar a perda), não há qualquer cena cuja única função seja celebrar a celebração. Esse pudor prossegue na segunda parte, do paraíso cada vez mais perdido, da realidade lamentável, do bater no fundo. Será, porventura, o traço mais marcante (embora suave) da realizadora.
É curioso que Hansen-Løve escolha fazer um filme sobre outra geração que não a sua. Provavelmente, fê-lo por o ciclo da sua geração ainda não ter terminado (estará em vias de) ou por ser demasiado doloroso filmar o seu círculo, os seus amigos, os erros, os falhanços, as mortes dos seus. Ou, eventualmente, para não se deixar cair numa nostalgia bacoca que assola as artes desde há muito (a música de dança foi um dos últimos momentos de inovação, diria Simon Reynolds, que lhe dedicou o belíssimo livro Energy Flash, ou Ecstasy para os americanos). Ou talvez para ser completamente nostálgica, entregar-se totalmente à falta daquilo que já não é e nunca retornará.
O final de Eden jamais poderia ser feliz. A vida nunca tem um final feliz. A juventude também não. No entanto, há uma certa beleza na aceitação, uma certa beleza na tristeza. É essa a beleza do filme de Mia Hansen-Løve.