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Il sorpasso: A claridade do abismo

De Luiz Soares Júnior · Em Janeiro 25, 2015

“Risi foi, dizem, um médico; ele permanece. Pratica a acupuntura. É um homem que sabe apreciar a densidade de um corpo e a irradiação de um campo nervoso e que, contrariamente ao provérbio (…), aqui podemos perfeitamente julgar as pessoas pela cara.”

Michel Delahaye, Passe ou manque, Cahiers du cinéma, 147

“(…) Alegrias não encontradas na realidade, não prazeres. O prazer pertence ao mundo dos sonhos.”

Simone Weil, A gravidade e a graça

Conto faustiano isento de estridência expressionista, Il sorpasso (A Ultrapassagem, 1962) é um filme que se funda sobre o anfiteatro dos espaços claros, vastos e aerodinâmicos usados com um propósito pedagógico; ilustra-se aqui uma parábola aventuresca sobre o confronto entre dois caracteres, a princípio opostos mas complementares: Bruno, bon vivant sanguíneo, e Roberto, estudante saturnino. O que os une, implica, o que os ultrapassa? Um exuberante panorama da Itália do boom econômico: Roma, Turim, avenidas straight line, vetustas mansões camponesas, piqueniques praieiros, flertes alcoólicos; a féerie nasce desta acumulação exuberante de caracteres e acidentes, deste caleidoscópio de sensações, desta perdulária irisação da sensibilidade pela alteridade. Bruno é esta espécie de barômetro espiritual, através do qual as sensações do mundo exterior atingem Roberto, demasiado esquivo, demasiado “medroso de ser”. É uma superfície ressoante, cujo ponto de vista transparentemente percussivo Il sorpasso esposa: poucos filmes falam de coisas tão sérias (aprender a crescer, Ser Outro no Mesmo) com tamanha desenvoltura , tamanho fausto na sensação! E Roberto, com o que contribui para Il sorpasso? Roberto é a consciência desencantada (sempre entrincheirado num contracampo reflexivo, encimado pela voz off); do romance de aprendizagem, ele é o sujeito da enunciação, aquele sem o qual não há propriamente experiência- pois como ser sem “Dizer”? é possível imaginar que o espectador possa apreender o merry-go-round impressionista sem esta diferença introduzida por Roberto, sua dose cavalar de má-consciência e de culpa? Bruno é o veículo de manifestação do mundo: suas inflexões, seus humores, a diversidade de seus estados e atmosferas; sem Roberto, porém, o mundo seria, mas não seria significativo (filme). E citemos outra démarche, que não por acaso deságua nesta: Rossellini fala do neo-realismo como aquela investida, empreendida ativamente pela câmera, de “acompanhar um ente em todas as suas vivências e descobertas”. O circuito neo-realista de Il sorpasso é, portanto, pós-rosselliniano; aqui, é impossível falar na experiência sem pensarmos conjunta e complementarmente Bruno e Roberto – presença e subjetividade.

Il Sorpasso (A Ultrapassagem, 1962) de Dini Risi

Se Bruno imanta o Real em torno de sua figura catalisadora, Roberto é aquele que se encarrega (que é encarregado por Risi) de estabelecer aquela distância sem a qual nenhuma proximidade pode se dar, pode nos tocar. O percurso da experiência fenomenológica do mundo, circular e retrospectiva, permanece precariamente incompleto sem estes muxoxos de Roberto, estas retrações casmurras, este “contracampo” a que o campo centrifugado da ação de Bruno corresponde. Se Bruno aparece-nos unicamente como o telos a que tende o personagem de Trintgnant – o homem que o menino almeja se tornar, o centro da ação e o princípio da atração -, é porque não vimos o filme com a atenção devida e devota; o crescendo intensivo de força que a trajetória de Bruno descreve conhece depressões, falhas, rasuras: o encontro com a mulher e a filha – que o tratam com a devida irrisão e suave desprezo -, a disputa econômica e social “de classe” com Bibi. Se Bruno nos aparece na primeira parte do filme onipotente, à luz do morceau de bravoure, é porque o ponto de vista sub-reptício (mas não menos diretivo) que nos apresenta o personagem é o de um primeiro Roberto, fascinado por aquele monstro – o monstro que ele queria poder ser (ênfase em Poder). Na medida em que Roberto vai “crescendo”, a figura de Bruno sofre alguns declives, ameaça despencar (ma non troppo, pois é fundamental a Il sorpasso a manutenção de uma certa “planura” clássica: interditos são os contrastes muito crispados, as variações bruscas). Correlato ao desgaste da figura paterna de Bruno, apercebemo-nos da emergência de certas paixões negras em Roberto: ressentimento, inveja. Por que ele, e não eu? Da identificação almejável com o ideal do ego passa-se ao estágio seguinte, urdido pela vontade de potência: agora, não basta imitá-lo, emulá-lo; é preciso expressamente substituí-lo. A arrancada final de Roberto consiste neste experimento fálico (o carro!) de Poder exercido sobre o próprio corpo, desta tentativa de substituição de Bruno, pater/rival. Mas não nos precipitemos…

Assim, Il sorpasso é um filme solar, claro e simétrico (o filme de Bruno, o sanguíneo). Mas esta afirmação brutal de ser e de poder seria impensável sem o titubeio e a taciturnidade de Roberto: ele é o primeiro espectador do filme (seu derradeiro também). É para ele que a persona de Bruno encena o ser Bruno. Risi claramente dirige e concentra nossa atenção sobre Roberto, o espectador privilegiado; se a voz off não chega a designar um stream of consciousness (o personagem registra e antecipa apenas sobre aquilo que lhe acontece, geralmente por intercessão de Bruno; ele não se perde em elucubrações de possíveis ou devaneios, em nada que não seja imediatamente presente, documentalmente sob o olho), claramente circunscreve um espaço em separado (off), privilegiado, para quem o filme se encena – na clareira da consciência do qual o filme se encena. Il sorpasso, se a princípio parece ser dirigido por Bruno, na verdade conhece uma trajetória alternante, tormentosamente ambígua, em que a ação nada seria sem o seu necessário contraponto interior, monologal; e o monólogo não designaria nenhum refúgio de intimidade ou reserva de força se não fosse ativado retrospectivamente pela ação. A crônica em vilegiatura de costumes, a comédia física, o estudo pujante de caracteres são Il sorpasso, mas também o secreto romanceiro de uma consciência, o Bildungsroman de um Werther do Milagre econômico (como o chama a filha de Bruno); uma chaga secreta se oculta sob o brilho e a dinamicidade do itinerário de Bruno: como se um kammerspiel observasse, com intimidado fascínio, um filme de aventuras de Freda (de quem aliás Gassman foi ator dileto). Il sorpasso é este mesmo e outro movimento, modulado por estes eqüidistantes extremos: o paradigma figurativo do filme são estes longos e fluidos planos, alternadamente condensados e rarefeitos pelo desfile das sombras, em que os personagens nos afrontam, ao dirigir o carro. Este não é o menor dos atributos do filme, aliás: Bifronte como Janus, existencial e “arquitetural” como Antonioni (a quem glosa num tom dolce amaro), Il sorpasso é, no entanto, um panegírico superfluido da superfície. As superfícies aqui bifurcam-se, descrevem paralelas e inscrevem-se em diagonais. Vem-me à cabeça aqui a expressão através da qual o filósofo e psicanalista Dominique-Octave Mannoni ilustra o processo do fetichismo: “Eu sei que não é real, mas mesmo assim…” (mais quand-même…) O trunfo do filme reside em sua transparência, “apesar de…” (mais quand-même). Nenhuma dialética de boteco se esgrima aqui, nenhum vislumbre de simbolismo, nenhuma nesga de alusão: não há “o filme secreto de Roberto”, encapsulado (recalcado) pelo filme evidente de Bruno; o verme não corrói o fruto, como em alguma página de Machado. O fruto e o verme, o estio e a tempestade, o trágico como o trágico aqui aparecem na extrínseca evidência de sua axiomática glória. O anti-expressionismo do filme revela-se nesta porosidade plana e frontal à luz; o seu classicismo reivindica-se na divisão concertante em atos, nesta presteza sibilante do découpage. A sua clareza ofusca, sua regularidade aturde. Fala-se de um confronto mítico que, como bem observa Delahaye, foi o ethos do western: “O mais velho iniciando o mais jovem nos gestos aventureiros da vida; (…) sob a forma da oposição entre o winner e o loser, entre aquele que não pode nada senão perder e aquele que sempre ganha; tudo se passando como se os dados estivessem jogados de antemão, ao mesmo tempo em que somos chamados, nós os espectadores, a vê-los sendo manejados naquele preciso momento”. Mas narra-se tudo como se nada fosse, num tom folgazão de crônica deambulante, de inventário de fim de noite. Somos convidados a participar de um jogo muito antigo e muito moço, a um só tempo mítico e hebdomadário, primordial e atual, onde se implicam o slapstick e a litania trágica, em arquetipicamente suplementar medida.

Vejamos por exemplo os momentos em que a flor d’água da narrativa é vibrada, suave mas firmemente, por auspícios de Morte: quando os rapazes desistem das duas jovens alemães, abandonadas à beira dos túmulos de soldados italianos desconhecidos; ou quando a persona de Roberto é associada a figuras sombrias ou exaltantes do imaginário romântico: em um momento, ele se compara a Landru, assassino de mulheres que inspirou o Verdoux de Chaplin; em outro, perto do final, Lili (filha de Bruno) o relaciona ao suicida Werther, de Goethe. Inflexões de sombra que em aparência turvam a unidade diáfana do filme- ou antes: integram-se cariciosamente à sua generosa mansarda. Não se trata aqui de justificar o final, sismografando suas fissuras pósteras sob cada gesto impetuoso, retroalimentando e ressignificando o silêncio intimidado entre pirueta e outra, a partir do desenlace trágico, identificando precipitadamente sob as suas superfícies veraneantes algum desolado signo avant-coureur… Eros e Thanatos não exatamente se opõem, na visão reconciliada de Risi; designam antes margens de uma mesma visão de mundo, incondicionalmente afirmativa de existência.

“Sabe qual a idade, a época mais bela? É aquela em que se vive, dia a dia”; Bruno sabe seduzir a Roberto, acenar-lhe com o Segredo: o presente é o grande lance da vida; seu trunfo unicamente fatal… Il sorpasso radicaliza em um modo particular a herança rosselliniana, enfatizando a um só tempo a epifania do dom e sua ressonância existencial; mas o faz de forma exuberantemente colorida e vivaz, enfeixando uma constelação ( de situações, atmosferas, personagens) cuja Suma suscita uma perturbação fascinada, uma paixão malaisé, semelhante aos contos de fadas com que nos envenenaram a infância inexpugnável.

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