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Cenas de um casamento

De Tiago Ribeiro · Em Maio 5, 2014

Um dos melhores sketchs do Herman Enciclopédia tem como título “As coisas mais deprimentes do mundo”; subtítulo, “O Casamento”. É um bonito espectáculo de ridicularização da sagrada instituição, sobretudo do típico casamento “à Portugal”, onde os seus costumes e tradições (“o vídeo do casamento”, “o álbum de fotografias”, “o beija! beija! beija!”, “o conjunto musical”, “o quem der mais fica com as ligas da noiva!”, etc.) são farta matéria para Hermano e amigos e amigas fazerem circo, por vezes tão excessivo e tão “feio” que não duvidamos que até uma pessoa como o Sorrentino ficaria corada de vergonha se visse tamanhas pantomimas. Mas como existe a abordagem cómica a este assunto muito importante (“Olha a noiva! Tem cara de cavalo!”), também há quem opte pela perspectiva trágica do sagrado matrimónio.

Thérèse Desqueyroux

Rostos fechados, olhares expectantes ou cabisbaixos, registo monocromático entre o negro dos senhores e das senhoras mais velhas e o branco da noiva e senhoras mais jovens. Ao fundo, a porta da igreja bem fechada ao ferrolho, para impedir a entrada dos miseráveis pagãos e não permitir a saída de possíveis cristãos corruptos. Estamos nos anos vinte, numa qualquer terriola em Landes, sudoeste de França, mas podia ser outro sítio qualquer numa qualquer outra década que iria tudo dar ao mesmo. Dentro em breve sairão da igreja, para levarem com arroz pelas cabeças, latas atadas ao carro e lua-de-mel na grandiosa Paris. Está solinho lá fora.

Thérèse Desqueyroux (1962) é um dos não tão famosos filmes de Georges Franju, apesar da Emanuelle Riva ter ganho o prémio de melhor actriz em Veneza e em mais cinquenta sítios diferentes. Baseado no livro homónimo de François Mauriac, escrito quarenta anos antes, faz uma possível junção entre o feminismo de Mauriac (“Thérèse is a Bovary who hits back”, li por aí) e o ateísmo de Franju, o que resulta não em histerismos e “mensagens”, mas antes num estranho e aconchegante filme de propriedades narcóticas, fruto, sobretudo, dos travellings “invisíveis” de Franju, de alguns planos a lembrar-nos o surrealismo do mestre e da interpretação de Riva, perfeita como a melancólica e estática Thérèse, a passar dias e dias na cama, fumando e fumando, envolta em fumo, numa forma de resistência passiva e orgulhosa aos desmandos do seu marido (Philipe Noiret, muito bom como homem de vistas curtas, cuja única coisa que interessa são “os meus terrenos” e o bom nome da família).

Se o casamento, aqui, é encarado como castrador da inteligência e liberdade de Thérèse, nada mais apropriado do que mostrar a cerimónia oficial desses seus sofrimentos como uma sessão de terror, com suporte apenas em informação visual e sonora, sobretudo um bater de porta que funciona como ponto de não retorno para a pobre mulher, sinalizando a sua entrada definitiva no “man made prison”, nas palavras de Cosmo Kramer. O travelling no rosto em pânico de Riva quase nos faz desejar nunca mais ir a um copo d’água.

Toda a cena é um exemplar perfeito de puro cinema, sem nada de literário a atravancar o minimalismo das emoções das personagens. É tão reveladora que qualquer pessoa com um Q.I. superior a 85 perceberá imediatamente o “conteúdo” do que aqui se passa, mesmo vendo isoladamente, sem quaisquer referências e conhecimentos a priori. Até uma beata ou um qualquer militante do PP o perceberá, embora com grande rancor e tristeza, chamando nomes a Franju por desmistificar a alegria e espantosa comunhão de bondade presentes na instituição (sobretudo a partir das sete da tarde, em que noivos e a maior parte dos convidados andam, de facto, muito mais felizes).

Esquecendo tudo isto de casamentos e Nuno Melos, e voltando às suas propriedades narcóticas, Thérèse Desqueyroux deve ser visto com o sono quase a bater ou depois de se terem bebido dois copos bem cheios de bom tinto. Assim as suas qualidades oníricas serão mais devidamente apreciadas, podendo competir com alguns dos filmes mais estupefacientes do Hou Hsiao-hsien, o maior realizador de “filmes drogados” que alguma vez já existiu. E, neste exacto momento em que estas palavras são tecladas, alguém, neste enorme planeta, estará a dar com garfos e facas em cima de pratos, olhando de forma gozona para os noivos, pedindo-lhes linguados e demais desgraçeiras. A praia deve estar uma delícia.

 

 

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Emmanuelle RivaGeorges FranjuPhilippe Noiret

Tiago Ribeiro

Em Dezembro de 1963, Jean-Luc Godard, sentado numa esplanada em Saint-Germain-des-Prés, proferiu o seguinte: "estou sentado numa cadeira numa esplanada e o cinema faz este mês sessenta e oito anos". Um "jeu de mot" polémico (como sempre, no mestre) mas que em retrospectiva nos parece de uma clarividência singular.

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