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Kurutta kajitsu (1956) de Kô Nakahira

De Francisco Noronha · Em Outubro 7, 2013

Falsa comédia de costumes, Kurutta kajitsu (Fruta Louca, 1956), de Kô Nakahira, anuncia, logo na sua sequência inicial, o que de noir se insinuará ao longo de todo o filme, cujo desenlace será prenúncio de todo um novo cinema – o que, no caso tão particular do cinema japonês, é quase o mesmo que dizer de todo um novo… Japão. Fenómeno curiosíssimo, este, senão mesmo caso único, em que o dualismo do “novo” e do “velho” Japão andou sempre de mão dada com o que opôs o “novo” e o “velho” cinema japonês, o que diz bem da osmose entre a vida (do Japão, dos japoneses) e o cinema, enfim, entre a vida e a arte (quem imita quem?).

Num dos primeiros planos do filme (um plano americano), Haruji (Masahiko Tsugawa) é filmado, de frente, conduzindo uma lancha: é um rosto desorientado e perturbado o que vemos, próprio de quem – saberemos mais tarde – procura alguém, mas, sobretudo, procura algo: um rumo, um caminho, que, metonimicamente, são os que toda uma geração de jovens japoneses, a bem dizer, perseguia à época. Desse plano americano (que, gradual e claustrofobicamente, se convola num grande plano, espécie de aprisionamento psicológico progressivo da personagem, imerso na sua obsessão) saberemos, também mais adiante, pertencer à sequência final do filme: ou seja, o filme abre e fecha exactamente do mesmo modo, sintoma de que algo de errado perpassa esta geração, no sentido de que aquela perturbação não fica “resolvida” no filme, antes andando em círculo, sem saída. É a utilização da circularidade como factor indiciário da obsessão ou paranóia, sugestão que se repete, “plasticamente”, no final do filme, na cena (de um silêncio aterrorizante) em que Haruji descreve repetidas voltas em torno do barco onde se encontram Eri e o seu irmão, antes do acto final. Foi, assim, com essas voltas infernais, doentias, que Kurutta kajitsu abriu (escancarou…) a porta a pelo menos três dos temas-chave da revolução da Nuberu Bagu, da qual foi um prenúncio: o desejo, a obsessão, a morte.

O noir por que começámos estas linhas é, portanto, o que percorre o rosto nervoso de Haruji – nervosismo agudizado pelo jazz sedutor mas desconcertante que se ouve –, o noir (ou o “lado negro”, se quisermos), afinal, de toda uma geração nem de propósito apodada de “luminosa” – a Tribo (zoku) do Sol (tayo). Num filme a preto e branco, o jogo de luz e sombras começa, portanto, pelo título: a designação de “Tribo do Sol”, “luminosa” na sua ideologia hedonista e no seu (epidérmico) estado de espírito (divertido, ocioso), contrasta com os sentimentos mais íntimos (situados “na penumbra”, para jogarmos, novamente, com os claros-escuros) dos seus protagonistas (a insatisfação, a revolta, a pulsão suicidária).

A geração Tayozoku ficou para a história como um fenómeno do Japão das décadas de 50 e 60, caracterizado por uma juventude ociosa e hedonista que fazia das idas à praia (daí a alusão solar) o seu ofício, tendo ficado eternizada no romance de Shintaro Ishihara, Taiyō no Kisetsu (Season of the Sun – o nome, aliás, da lancha dos dois irmãos no filme), e ganho, posteriormente, honras de género cinematográfico autónomo. À absorção deste fenómeno literário pelo cinema não foi alheio o enorme sucesso de bilheteira que as versões cinematográficas proporcionaram às grandes produtoras (aspecto crucial para a produção cinematográfica da subsequente Nuberu Bagu, que, contrariamente à Nouvelle Vague francesa, arrancou do interior das grandes produtoras), circunstância potenciada pelo afluxo em massa dos jovens japoneses às salas de cinema, espécie de exorcização de fantasmas para quem, olhando para a tela, se via a si mesmo. Enquanto “género” cinematográfico, o Tayozoku fez eco, de alguma forma, das mesmas inquietações juvenis que Nicholas Ray tão ternamente retratou em Rebel Without a Cause (Fúria de Viver, 1955), e os parentescos são, de facto, convidativos: à parte a coincidência temporal, predomina o retrato de uma juventude independente da tutela paternal e fragmentada pela mesma carência de valores seguros (não coincidente, ainda assim, com a “crise de valores” ocidental), pelos dramas amorosos, pela vertigem da sexualidade e, last but not least, pelo gosto pelos extremos (físicos e morais).

A isto não é alheia, evidentemente, a fortíssima ocidentalização que, por esses dias, o Japão conhecia em virtude da introdução dos hábitos próprios da sociedade norte-americana de então, ou não estivéssemos a falar de um período (pós-2ª Guerra Mundial) em que o Japão, sob a tutela norte-americana, viria a mergulhar nos encantos do capitalismo consumista, com todas as rupturas, sociais e culturais, que isso representou para uma sociedade conservadora como era a japonesa até então. O espectro ocidental está, por isso, em Kurutta kajitsu, um pouco por todo a parte: na música jazz (cuja utilização assume um duplo significado: intradiegético, no sentido em que as personagens, nos espaços nocturnos que frequentam, escutam esse tipo de música; extradiegético, na medida em que a utilização do jazz pretende sinalizar a aculturação americana da sociedade japonesa); nos nomes dos estabelecimentos (Blue Sky é o nome do clube nocturno a que o grupo se dirige); no vestuário dos jovens; nos interiores que Nakahira filma (predominantemente ocidentais e filmados em planos horizontais à altura do nosso olhar, em detrimento da “casa japonesa” de Yasujirô Ozu e companhia, filmada nos famosos planos verticais “ajoelhados”); ou, mais genericamente, na própria vida pessoal dos japoneses (Eri, a personagem feminina central, casou, por conveniência, com um americano).

Uma geração ociosa, dizíamos, mas profundamente entediada (“Japan is the same everywhere”, diz um dos rapazes do grupo) e incapaz de dar a si mesma um rumo – “something [to do] isn’t so easy to find”, statement de uma das personagens que condensa a insatisfação destes jovens. Mais ilustrativa deste estado das coisas não podia ser a cena, em casa de Frank (quiçá a personagem mais “americana” de todo o grupo e que, pelo nome e aparência física, sugere uma ascendência nipo-americana), onde, a dada altura, a sua namorada conclui, desalentada: “We live in boring times”. Do ponto de vista estético, salta à vista o traço documental desta cena, potenciado pelo modo como Nakahira filma, em grande plano, cada um dos jovens fazendo uma afirmação do que pensam sobre o tempo em que vivem, como se de uma entrevista se tratasse [ao jeito daquilo que viria a fazer Godard em Masculin Féminin (Masculino Feminino, 1966), ou, mais recentemente, Xavier Dolan (um godardiano juvenil) em Les Amours Imaginaires (Os Amores Imaginários, 2010].

São, portanto, paradoxalmente, tempos de ócio e desorientação aqueles que a juventude japonesa experiencia por estes dias, não sabendo exactamente como se enquadrar no seu mundo, profundamente novo e volátil. A título de exemplo, note-se como a introdução do conceito de prazer, e, sobretudo, do “prazer pelo prazer” (ir à praia, simplesmente, por exemplo), constitui novidade absoluta num país que, até aí, se havia acostumado a viver sob os ditames rígidos do esforço e do trabalho, caso das gerações dos pais e avós destes jovens. Este é, a bem dizer, um aspecto central da geração retratada em Kurutta kajitsu: uma geração profundamente desenraizada, social e culturalmente falando. Por um lado, na medida em que, para muitos destes jovens, os avós ou morreram na guerra ou se mantêm presos ao “velho” Japão com o qual eles não se identificam (“Fancy words and old ways don’t cut it now”, diz Natsuhisa) e os seus pais, se não sucumbiram também no campo de batalha, estão a fazer negócios (a “prostituir-se”) com os americanos, seduzidos pelo enriquecimento rápido prometido pelo el dorado capitalista, com todas as repercussões que ele implicou: o individualismo, o consumismo, a hipersexualidade, a desagregação da família (esta última, pelo menos, constituindo uma das “contradições insanáveis” do capitalismo, para utilizarmos o jargão marxista), deixando a sobriedade e a pacatez do “velho Japão” no mesmo sítio em que Mário Soares meteu o socialismo. Deste problemático generation gap (tema de que também os clássicos, como Ozu, tinham consciência e do qual não fugiram) resultando uma juventude imersa numa profunda desidentidade, posto que carente de referências e valores seguros e, por isso, niilista e amoral, de que o trágico epílogo de Kurutta kajitsu é expressão máxima.

Por essa razão é que Eri, uma jovem japonesa casada com um americano, não hesita em flirtar com Haruji, para, logo de seguida, cair nos braços do irmão deste, Natsuhisa, alimentando, desse modo, uma guerra entre irmãos. A infidelidade, dupla (para com o marido e para com Haruji) ou até tripla (a infidelidade de Eri também poderá ser perspectivada, alegoricamente, como uma traição à América), e tudo o que dela é extrapolável (a deslealdade, a desonra, o desrespeito), é sentida como se de um dado relativamente natural se tratasse – não obstante Eri estar apaixonada por Haruji, em momento algum ela recusa, com convicção, os prazeres carnais junto de Natsuhisa (mesmo sabendo que os dois são irmãos). Por aqui se vê, pois, o que de revolucionário Kurutta kajitsu trouxe na abordagem à sexualidade, fazendo do sexo um elemento, além de natural, irresistível, contra o qual os sentimentos mais profundos (menos instintivos e mais “nobres”) nada podem.

A jusante, Kurutta kajitsu interessa-nos, também, pelo que de inovador prenunciou para o cinema japonês, mais concretamente, para o surgimento da Nuberu Bagu, a qual, dos anos 60 em diante, sob a batuta de autores como Nagisa Oshima [Seishun Zankoku Monogatari (Contos Cruéis da Juventude, 1960)], Yoshishige Yoshida [Akitsu Onsen (As Termas de Onsen, 1962)] ou Shoei Imamura [Nippon konchūki (A Mulher Insecto, 1963)], viria a revolucionar os cânones até então predominantes. Neste sentido, o filme de Nakahira pode ser lido como um proto-Nuberu Bagu, dela desvelando os primeiros traços característicos, ainda que sem a consciência de “missão” e o voluntarismo político e estético que marcou essa corrente.

A despeito da partilha das mesmas preocupações temáticas, de um ponto de vista eminentemente estético, Kurutta kajitsu constitui o primeiro exemplo daquilo que, na filmografia da Nuberu Bagu, se tornaria abundante: o clareamento programático da fotografia. Com isto se inverteu, pois, o paradigma da sombra, que, não só no cinema japonês (a filmografia de Ozu é disso exemplo) como, mais genericamente, na arte japonesa, subsistia, até aí, como cânone insuperável. Segundo autores como Jun’ichirō Tanizaki, toda a estética japonesa se superiorizaria à estética ocidental por via, justamente, do predomínio da sombra na composição, de harmonia com esta visão das coisas se esgrimindo que o belo inerente a um determinado objecto se obtinha sempre por contraste com a sombra, sendo essa candência que conferiria valor estético ao objecto. Ora, a subexposição de luz, característica do cinema clássico japonês, irá, então, ser trocada pela sobreexposição, através da qual a sombra deixa de ter um papel enformador da composição pictórica, dando lugar ao predomínio da luz, isto é, da claridade. No filme de Nakahira, essa circunstância decorre de dois factores. Por um lado, a geração que ele retrata não é a mesma presente nos filmes dos Mestres e o seu espírito não se presta, doravante, à sobriedade que a omnipresença da sombra favorecia; por outro, ainda, avulta uma necessidade prática, a saber, o facto de a geração Tayozoku ocupar o seu tempo em actividades (idas à praia, desportos náuticos, etc.) que se prestavam, justamente, ao predomínio da claridade (estranho seria que Nakahira tivesse pretendido buscar a “sombra” nas rochas queimadas pelo sol de Kurutta kajitsu…).

Ilustrativo desta inversão de paradigma – da sombra para a luz – é o pillow shot que Nakahira capta no momento em que Natsuhisa convence Eri a acompanhá-lo no barco. Podemos, se quisermos, estabelecer um paralelismo dúplice, tendo a direcção de fotografia como referente, entre este e os famosos pillow shots de Ozu: se, no icónico plano do vaso [Banshun (Primavera Tardia, 1949], este último (vaso) adquire relevo estético na medida em que a sua (diminuta) luminosidade contrasta com a escuridão circundante (é a conhecida apetência do cineasta para a anfibologia, isto é, a duplicidade de sentidos que o plano pode sugerir e, eventualmente, a duplicidade de emoções que as personagens estão a sentir), no pillow shot de Nakahira, o rádio integra-se perfeitamente na claridade da paisagem, na medida em que também ele partilha dessa tonalidade cromática. Por outro lado, se é de um vazo – símbolo do “velho Japão”, com os seus códigos de conduta ancestrais e a sobriedade como imagem de marca – que falamos no filme de Ozu, é um rádio – representativo da cultura hedonista e consumista do “novo Japão” – que se perfila em Kurutta kajitsu.

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Francisco Noronha

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