Antes de Hou Hsiao-hsien se tornar um respeitado mestre do cinema de Taiwan, antes sequer de emergir o Novo Cinema Taiwanês, Hou realizou algumas comédias românticas, género típico da “época de ouro” do cinema em mandarim na Formosa, a que nos referimos aqui recentemente. Jiushi liuliu de ta (Cute Girl ou Lovable You, 1980) foi o primeiro filme de Hou e apesar do choque ser considerável quando descobrimos esta raridade agora, não deixa de ser curioso notar como o Hou que conhecemos já se vislumbra, a espaços, aqui.
Os primeiros filmes de Hou Hsiao-hsien foram comédias românticas sem grande densidade, bem diferentes dos retratos complexos da sociedade e da história de Taiwan que Hou filmaria a partir da curta Erzi de da wan’ou (The Sandwich Man, 1983) ou da longa Fenggui lai de ren (The Boys from Fengkuei, 1983). O primeiro dos seus filmes foi Jiushi liuliu de ta, protagonizado por dois cantores e actores da moda, Feng Fei-fei (falecida o ano passado) e Kenny Bee, com quem Hou trabalharia nos seus dois filmes seguintes, Feng er ti ta cai (Cheerful Wind, 1981) e Zai na hepan qingcao qing (The Green, Green Grass of Home, 1982).
Romance cândido com um profuso acompanhamento musical, Jiushi liuliu de ta acompanha as peripécias do encontro e relação entre um topógrafo e uma jovem mulher cujos pais querem que case o mais rápido possível. Embora aparentemente este optimista e doce filmezinho nada tenha a ver com a obra posterior de Hou, há nele elementos que a anunciam.
O cinema de Hou Hsiao-hsien é um cinema de campo e de cidade. Um ou outro, ou um e outro, são elementos essenciais da sua obra. Isso é já sugerido no seu primeiro filme, onde a acção se desenrola ora no frenesim da cidade (Taipé), ora no idílio do campo, onde o romance floresce. É precisamente nas paisagens rurais que mais se anuncia a relevância que terá o factor paisagístico na obra de ulterior de Hou, afinal tão determinante no retrato dessa “terra” de Taiwan. O campo é também o único espaço onde, brevemente, se ouve uma língua que não o mandarim, embora bem longe da polifonia formosina que marcaria outras obras de Hou, nomeadamente Beiqing chengshi (A City of Sadness, 1989). Algumas das cenas no meio rural contam ainda com a graça espontânea de um grupo de crianças, quem sabe uns antepassados fílmicos dos meninos de Dongdong de jiaqi (A Summer at Grandpa’s, 1984).
A atenção dada aos meios de (in)comunicação está também presente em algumas das cenas melhor conseguidas de Jiushi liuliu de ta, onde os telefones como símbolo de modernidade, mas também de confusão, nos remetem para a relevância da tecnologia como forma de contacto e isolamento que são mais evidentes em filmes futuros.
Contudo, não há em Jiushi liuliu de ta os icónicos longos planos fixos de Hou. O seu olhar sereno e perscrutante sobre o tecido social taiwanês e a melancolia que perpassa outras obras suas não são propriamente características do seu primeiro filme. No entanto, não deixa de haver aqui um retrato social, ainda que esquemático. Esta é a Taiwan do milagre económico, de uma maior abertura social ainda que com o peso da tradição – algo que, surpreendentemente, é ainda verdade para comédias românticas hoje (nomeadamente na vertente televisiva), veja-se as cenas de “matchmaking” e de comédia de enganos.
Longe das obras-primas de Hou Hsiao-hsien, Jiushi liuliu de ta é, no entanto, um filme a ter em conta para perceber a primeira fase, pré-Cinema Novo, do seu cinema e alguns elementos que seriam desenvolvidos depois, já no estilo característico do realizador.
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