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Qui êtes-vous, Polly Maggoo? (1966) de William Klein

De Luís Mendonça · Em Junho 18, 2013

Não precisávamos de William Klein para entendermos a natureza da relação entre a modernidade e a moda – a etimologia bastava, na realidade. Baudelaire dera a entender que a nova categoria de belo tinha de combinar o imutável com o contingente. De um lado, temos a eterna conformação com uma “ideia de belo”, do outro, a mutação ou a transfiguração do que é “naturalmente” belo. A moda, como diz a protagonista Polly Maggoo (Dorothy McGowan), é mudança e, acrescento eu hoje, a mudança é (e está sempre na) moda. Num tempo em que  tudo muda – e neste filme pouco ou nada se fixa -, a moda é tudo e não é nada. É a editora da Vogue, aqui caricaturada por um dos seus ex-empregados (o William Klein-fotógrafo), que grita: “A moda morreu! Viva a moda!” Podíamos dizer o mesmo do cinema, que aqui se deixa sugar pela vertigem de uma já anunciada pós-modernidade: “O cinema morreu! Viva o cinema!”

Levando ao limite a estética do cinema moderno, Klein transfere o olhar sardónico da sua fotografia para o domínio das imagens em movimento. Em fotos e fotogramas, encontramos o mesmo efeito anamórfico da grande angular, que estica e desfigura os rostos que, demasiado próximos como demasiado longe de nós, fitam a câmara (fotográfica ou de cinema) como quem olha alucinadamente para uma janela para outro mundo. Tanto na fotografia como no cinema, em Klein apetece falar mais em janelas do que em quadros, tal é a impressão de que “quem olha” são as grotescas figuras representadas na imagem, ao invés de nós, seus supostos espectadores. Com efeito, fica a sensação de que “quem dispara” (shoot at…) são as mulheres, os homens e as crianças representadas, ao passo que nós, espectadores, é que somos “atingidos” (shot by…). De qualquer modo, em Qui êtes-vous, Polly Maggoo? Klein faz mais que apenas “animar” as suas fotografias de rua e especialmente as fotografias de moda, que eram, na realidade, “anti-fotografias de moda” realizadas para a revista Vogue, entre 1955 e 1965. Neste filme, as imagens mexem, mas também se congelam momentaneamente, para depois acelerarem, se sobreporem ou, no limite, desaparecerem por completo e darem lugar a um patchwork animado, em cartão e com balões de banda desenhada [a sátira histrónica, “made in USA”, Mr Freedom (1969), levará mais longe a estética do comic strip].

Em certo sentido, Klein desenvolve aqui, com a ajuda de um outro medium (ó cinema, quem és tu?), o trabalho que desenvolvera num dos photobooks mais controversos na história da fotografia, editado graças à mão (e ao olho) de Chris Marker e da editora Editions du Seuil: o escandalosamente “anti-americano” Life is Good & Good For You in New York (1956). Também aqui se deve falar em “transferência”: fazendo férias do trabalho satírico sobre o mundo selecto da moda, Klein parte de Paris (cidade que desde jovem adoptou como sua) para regressar a Nova Iorque (cidade onde passou a infância e a adolescência), não como o “bom filho que a casa torna” mas como um filho nativo de olhar crítico que não tem contemplações a retratar o que (re)vê, o que (re)vê a aparecer, ali, em directo, na rua. O formato-livro, enformado por múltiplas colagens, dará às fotografias uma sequencialidade que se materializa ou efectiva, com o movimento ou uma nova forma de “caos remendado” (caos fílmico, entenda-se), em Qui êtes-vous, Polly Maggoo?.

Temos, portanto, um cinema cheio de uma matéria fotográfica de modo algum “inédita” no universo plástico e elástico de Klein. Claro que não estamos aqui a falar de um novo La jetée (1962) de Chris Marker ou Salut les Cubains (1963) de Agnès Varda, isto é, a relação fotografia (estase da imagem) e cinema (excitação fotogramatical) é aqui fundamentalmente “anterior” ao filme. Conhecendo as imagens que Klein produziu debaixo da asa da Vogue, o jogo visual de Qui êtes-vous, Polly Maggoo? ganha uma acrescida dimensão satírica. Também dentro do filme a figura do fotógrafo surge várias vezes problematizada tal como abundam efeitos de paralisia da imagem (vulgo freeze frames). Contudo, Klein não é tão literal quanto foram Marker e Varda nesse gesto de justaposição intermedial entre a linguagem do filme e a linguagem da fotografia. No primeiro caso, há um trabalho fotográfico e um trabalho cinematográfico, no segundo caso, há um trabalho fotográfico ou um trabalho cinematográfico.

De qualquer modo, no centro está a actividade da moda, o que torna inevitável a aproximação, pelo menos temática, ao discurso da fotografia. A certa altura, Maggoo, “cover girl” acometida por uma crise existencial – uma crise existencial extensível à indústria da moda, dos media, das artes, extensível a toda a sociedade… -, afirma que sente que vai desaparecendo quanto mais o seu corpo é fotografado. Aqui é inevitável lembrar a bem esotérica teoria de Balzac, segundo a qual a alma reveste, como uma cebola, o corpo humano. Sempre que uma fotografia é disparada uma dessas camadas é capturada e desaparece. A cebola chamada Maggoo está, confessa a própria, no limite deste “descasque metafísico”: “sempre que me tiram uma foto, resta sempre um pouco menos de mim. Assim, o que restará de mim no fim?”. O filme, com um título sugestivamente na interrogativa, fará pouco ou nada para responder aos seus anseios.

Klein satiriza uma cultura vazia, da moda e dos media, alicerçada no image making e numa exaltação das aparências como uma espécie de estratégia de escape, logo, de alienação, das nossas vidas esgotadas e entediantes. A televisão, diz-se, é melhor que o cinema, porque se e nos inscreve no fluxo da vida – o cinema obriga-nos a sair da vida, a sonhar mais alto ou mais fundo. O realizador de TV a cargo do documentário sobre a vida de Maggoo (Jean Rochefort) quer mostrar alguém, uma existência “de facto”, mas apenas consegue registar uma mascarade sem substância. O que ele perceberá no final, pela boca da própria Maggoo, é que “a modelo” é como o político e o jornalista: esconde-se por trás de um manto de ilusões e jogos de espelhos. Contudo, a moda, ao contrário dessas outras passarelas (= establishment), é ou procura ser uma (re)criação contínua e visível, “titilante” e “divertida”, como escreve Baudelaire. “A moda existe”, diz Maggoo, “porque muda. Tudo passa, a moda perdura porque muda. O que não muda, morre”.

Klein não chega a construir um discurso em profundidade, muito devido à implosão de efeitos na imagem e a um desdobramento convulso de colagens de colagens de colagens… Que Fernand Léger, realizador de Ballet mécanique (1924) , tenha sido o principal mentor de Klein, vai-se tornando evidente quanto mais camadas saem dessa “cebola existencial” chamada Polly Maggoo para se “acumularem” anarquicamente no próprio tecido do filme. A intersecção da história de amor “estragada” entre o realizador de TV e a modelo com uma modernizada versão da história da Cinderela e do Princípe Encantado acaba por trazer mais ruído à cacofonia geral, no começo usada como matéria provocadora de inquérito à “sociedade do espectáculo e do consumo”, mas no fim reduzida a uma redundante fonte de caricatura de personagens dramaticamente arbitrárias. Lembra o cinema devorador de efeitos e estímulos de Vera Chytilová ou Dusan Makavejev, por vezes partilha a mesma graça da pouco vista curta-metragem da fotógrafa Cindy Sherman, Doll Clothes (1975), mas no fim acaba por “perder o pé” no seu discurso sobre a moda, a cultura e os media.

Mal aproveitada acaba por ser a tese – suscitada en passant – de que Cinderela é uma história dramática de “conformação à moda”, isto é, de que a mulher amada (“na moda”) é aquela que, de pé pequeno, consegue calçar o sapatinho de cristal que obceca, como um fetiche retorcido, o Princípe Encantado. As meias-irmãs que sacrificaram os seus dedinhos para cair nas graças do Princípe seriam o princípio, a contrario, de toda a indústria das formas perfeitas (ou canónicas) que os media fomentam e perpetuam. Fetiche, conformidade e sacrifício. A moda está mais no que se tira do que no que se dá. Klein não consegue sair do discurso zombeteiro para-nouvelle vagueano para aprofundar a natureza trágica da moda que é, enfim, partilhada – sociedade fora – por toda a gente que sofre da ameaça ou da crua consciencialização de que poderá vir a estar ou estará sempre, insanavelmente, “fora de moda”.

Sobre a morte e a moda, Giacomo Leopardi já tinha construído uma alegoria cheia da ironia fulgurante que se gasta em demasia e rápido demais no excesso de maquilhagem que cobre este filme de Klein. Tenta a Moda convencer a Morte de que é sua irmã, argumentando: “sei que ambas nos lançamos, de igual maneira, a desfazer e modificar continuamente as coisas aqui em baixo, embora tu sigas, para isso, por um caminho, e eu, por outro”. Com a Morte a pedir provas do alegado parentesco, a Moda responde: “geralmente falando, persuado e constrinjo os homens nobres a suportarem todos os dias mil dificuldades e incômodos, e por vezes dores e sofrimentos, e outros, a morrer gloriosamente pelo amor que me têm”. Klein filmou uma divertida comédia trágica (“quem sou eu?”), quando também devia ter filmado ou devia, antes de tudo, ter encenado uma tragédia cómica (“de que modo posso eu ser alguém?”). Por tudo isto, Qui êtes-vous, Polly Maggoo? fica a meio caminho de um grande filme satírico ou de uma obra mais relevantemente “pollytica”.

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1960'sCharles BaudelaireGiacomo LeopardiWilliam Klein

Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

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