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À pala de Walsh
Crónicas, O Movimento Perpétuo 0

Françoise, vous savez que je vous aime?

De Francisco Valente · Em Outubro 14, 2012

Existirão filmes que tomam conta das nossas vidas? Que sentimos a cada passo que damos nos nossos caminhos, que vemos vislumbrarem-se a cada porta que abrimos no nosso pensamento quando nos perdemos nele? Que não existem apenas como um fantasma na nossa mente, mas que entranham-se nos nossos sentimentos, na nossa moral, ao ponto de mexer com ela para lhe dar personagens e palavras que personificam os seus dilemas? Terá sigo algo parecido com isso quando percebi que, numa conversa à volta da intimidade, descrevi um filme inteiro, cena por cena, a uma outra pessoa. Como se se abrisse uma porta fechada à chave por onde se entra no nosso espaço exclusivo e saísse de lá, repentinamente, uma sucessão de cenas de forma tão decidida como o início desse próprio filme. Assim: mal passámos os primeiros dez minutos de Ma nuit chez Maud (A Minha Noite em Casa de Maud, 1969), escrito e realizado por Éric Rohmer, e ouvimos Jean-Louis (Jean-Louis Trintignant) dizer-nos, como que ao ouvido, entre o barulho da pequena multidão de Clermont-Ferrand, as seguintes palavras: “Nesse dia, na segunda-feira de 21 de Dezembro, surgiu-me a ideia, brusca, precisa, definitiva, que Françoise seria a minha mulher”.

Françoise (Marie-Christine Barrault) fora apenas avistada há momentos por quem nos fez essa declaração solitária, tal como uma prece, aquando da habitual missa dominical. Nesta, Jean-Louis vira esse seu olhar de perfil concentrado, doce e focado, enquanto ela repetia as orações que entregavam a sua alma a uma entidade pura e sem forma (Deus). De certa forma, tal como nos entregamos também ao amor, sentimento também sem forma que procura concretizar o seu desejo no encontro doce e carinhoso dos seus corpos. Mas a fé religiosa, de certa forma, é a utopia desse amor: uma devoção espiritual por inteiro que vive pelo amor incondicional, sempre fiel, e que suplanta, pela duração, o amor que sentimos na vida física. Nessa imagem, Jean-Louis vira o melhor de dois mundos: apaixona-se não apenas por Françoise, mas também pela devoção presente nesse seu olhar transformado por algo de profundo. Uma imagem que encarna a sua moral, mas também a fantasia física (em rosto, olhos, cabelos e corpo) de alguém que procura esse amor.

Françoise surge várias vezes no caminho de Jean-Louis até que este decide, literalmente, correr atrás dela e dar forma à fantasia pelas palavras. Uma abordagem algo invasiva, diz elegantemente a Françoise, e que entra em contradição com os seus princípios. “Faz-lhe mal contradizê-los”, responde-lhe. Jean-Louis sabe e o espectador também (o filme não se chama “A minha noite em casa de Françoise”…). O que não sabemos nesse momento é que é Françoise quem entende essas mesmas palavras como mais ninguém.

O encontro entre os dois continua, cada um conhece o espaço solitário do outro sem forçar outras invasões. Como o inesquecível e carinhoso gesto de Françoise a colocar a sua mão, docemente, sobre o braço de Jean-Louis, quando este tenta um beijo e ela afasta ligeiramente a sua cara, com um sorriso. “Françoise, vous savez que je vous aime?” Françoise não duvida desse amor, tal como não duvida do seu, todos os dias, a uma hipótese de felicidade pela qual ora na Igreja. Mas Jean-Louis ainda só conhece a sua imagem, não a pessoa que tem esse amor para lhe dar.

Será preciso Jean-Louis desprender-se de uma livre Maud e desfazer-se das dúvidas que esta trouxe aos seus princípios morais – ou melhor, saber viver com essas mesmas dúvidas dentro dos seus princípios – para que os seus dias com Françoise sejam feitos de uma verdadeira empatia, para além da física, e num caminho que se deseja incondicional, tal como a confissão de amor que nos proferiu e que abriu o filme.

Mas o momento essencial chega-nos apenas no fim: quando nesse mesmo caminho, alguém se cruza com Françoise e Jean-Louis, juntos. Alguém que Jean-Louis conhece bem, mas que traz a Françoise aquilo que ainda a impedia de ser inteira: que ela, afinal, era não portadora de uma dúvida mas de uma culpa, e que terá sido ela a primeira – ainda antes de conhecer Jean-Louis – a trair os pilares que definiam a sua intimidade e a sua posição no mundo. E é apenas nesse momento, sem quaisquer palavras, que Jean-Louis conhece a sua mulher: quando reconhece, nela, a sua falha, sobre a qual ela vive conscientemente ao lado de um novo amor que encontrou na sua vida. Jean-Louis não precisa de perdoá-la, pois qualquer perdão é interior. Tal como aquele que Françoise pedia, a Deus, quando Jean-Louis se apaixonou por ela e o confundiu com uma devoção pura e imaculada. Afinal, o amor é feito disso tudo.

Termino apenas dizendo: não sinto ter poderes para afirmar se esse Deus existe mesmo, por isso, não o digo. Mas se existe, abençoou seguramente a fotografia de Néstor Almendros sobre o rosto e a postura de Marie-Christine Barrault, Françoise nas palavras de Rohmer, por quem também me apaixonei.

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Francisco Valente

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