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“Blow Out”: a cruzada sónica de Brian De Palma

De Duarte Mata · Em Junho 11, 2020

BAM! A borracha negra de um pneu dianteiro rebenta, a agulha sensível de um Nagra III atinge o máximo da escala, um editor de som profissional torna-se em relutante paladino moderno. No lugar do elmo, os auscultadores. No lugar da espada, um microfone de espingarda. Um som furioso de uma fonte acusmática assinala o começo de uma cruzada obsessiva guiada pela audição.

Blow Out (Blow Out – Explosão, 1981) de Brian De Palma

Filme de conspiração, menos subjetivo do que os modelos de Blowup (História de um Fotógrafo, 1966) e The Conversation (O Vigilante, 1974) pelos quais se inspira, Blow Out (Blow Out – Explosão, 1981) pertence à excelsa tradição dos thrillers de paranóia dos anos 70, onde Coppola e Pakula haviam cinzelado os apogeus do género. Reflexão amarga e pessimista da insegurança social, da corrupção política, do desgaste moral sobre um país marcado com ferro em brasa por Watergate, Vietname e todas as mentiras traiçoeiras que expuseram a uma nação a face oculta dos seus governantes, é talvez o último grande filme a olhar (e a escutar) de frente as sombras de dúvida, medo e alienação que pairaram veementemente sobre a consciência colectiva daquela época. E, ao mesmo tempo, derivado do ramo técnico que explora (mas não só), trata-se também de um dos mais esplendorosos filmes sobre o acto de ouvir, uma obra-prima onde a sonoplastia, as vozes e a música criam uma banda sonora densa, de múltiplas camadas, auto-consciente e auto-reflexiva.

Lendo o argumento de De Palma, descobrimos que a indicação “SOUND” aparece exactamente 5 vezes na primeira página e quase 40 na primeira cena, cada efeito sonoro a ser tão fulcral para o prosseguimento da narrativa como uma linha de diálogo. O resultado no ecrã? Somos bombardeados com uma vasta palete de sons logo nos primeiros minutos, variação tosca do Halloween (O Regresso do Mal, 1978) de Carpenter (é o uso abusivo do plano subjectivo do assassino que o denuncia), à medida que uma residência de estudantes é percorrida: do batimento cardíaco ao ranger das portas, da respiração pesada ao vento sibilante, dos passos lentos a um mortal esfaqueamento, vários são os ingredientes macabros deste pot-pourri auditório que, inusitadamente, findará no grito risível da próxima vítima inocente. A atenção minuciosa que o cineasta dedica à banda sonora diegética nesta cena (para a criação de uma atmosfera intimidatória imersiva, mas também no modo como destaca um grito dissonante capaz de arruiná-la), tanto na página como na sua transposição, indicam já a relevância que o espaço sónico – tanto a nível formal como narrativo – terá em Blow Out, inclusive a influência que nele contém um mero e trivial som.

Um breve aparte para mencionar que há, evidentemente, o gosto documental no registo de uma actividade manual a ser executada. No delicioso The Conversations: Walter Murch and the Art of Editing Film, o grande montador e designer de som epónimo refere ao escritor Michael Ondaatje uma frase de Coppola solta na rodagem de The Conversation: “Lembro-me de ele dizer o quão fascinante é, particularmente no cinema, ver um ofício a ser exercitado. Um entalhador. Ou um pedreiro. Simplesmente estar sentado e observar. Quantas vezes afia ele a lâmina? Oh, isso é interessante – ele afia-a a cada dez golpes. Há uma qualidade muito táctil e visória em tudo. E, ao mesmo tempo, é de um considerável interesse humano.” Tal como nesse Coppola ou em Bresson (um dos cineastas a quem o excerto evidentemente mais se aplica), é justamente por esta mise en scène do trabalho que as cenas em que Travolta opera os vários materiais analógicos do seu estúdio são tão cativantes, inebriantes e sedutoras. Há um prazer didáctico na forma como o métier é estudado pelo espectador quando posto em prática, seja no manuseamento de uma moviola, na sincronização da película com uma fita áudio, na criação de uma sequência animada por várias fotografias sucessivas, ou na extracção de um efeito específico de uma biblioteca sonora.

Partamos desta última tarefa para exemplificar como De Palma se diverte com as portas acústicas que o seu filme abre e de como estas se ligam aos variegados dispositivos visuais que emprega (neste primeiro caso, o split screen). À medida que Travolta efectua esta função nada negligenciável da pós-produção, é exibida numa televisão uma notícia sobre a chegada de um candidato político a um edifício. Enquanto na metade direita destes planos bipartidos é emitido o relato televisivo, na metade esquerda procede-se à transferência de curiosos efeitos sonoros, dos quais as etiquetas das respectivas fitas magnéticas de 16 mm não deixam margem para dúvidas quanto às suas naturezas – “passos”, “quebra de vidro”, “tiro”, “queda de corpo”. À primeira vista, aparentam ser elementos aleatórios, sem qualquer ligação de causalidade entre si. Na realidade, são alguns dos vários componentes auditivos que envolvem um assassinato, sequencialmente dispostos na ordem de um homicida imaginário que chega, destrói e dispara. Desta forma, pelo destaque do som, De Palma anuncia o breve desfecho que uma personagem secundária encontrará (a eliminação do candidato) e, pela imagem bisseccionada, sugere que esta ficará entreligada ao destino da principal.

O split focus diopter usado para comunicar a clareza auditiva da personagem.

Outro exemplo, o do clássico depalmiano split focus diopter, um meio-vidro convexo que, ao ser colocado sobre uma lente, permite ter um elemento em primeiro plano perfeitamente focado, juntamente com outro no de fundo. No caso de Blow Out, este serve essencialmente para comunicar, de maneira visual, a clareza auditiva da personagem de Travolta, envolvendo-nos na sua subjetividade perceptual da paisagem sonora que o rodeia e na simultânea captura individualizada dos vários componentes desta. Refiro-me, evidentemente, à célebre cena de gravação na noite do acidente e da découpage que envolve, com os planos a irem alternando de escala até encontrarmos a fonte de cada som (um mocho na árvore, um sapo na margem oposta, uma conversa à beira-rio) a compartilhar o enquadramento com o protagonista pelo referido split focus. O que serve de motivo de corte na montagem e no alargamento gradual do espaço envolvido é o som que Travolta grava, guiando o ouvido deste (e do espectador) de maneira a arrastar a fonte emissora do fora-de-campo para o seu interior. De Palma, pelo uso do raccord sonoro (com a sua textura, compreensibilidade e caracterização), mostra como a audição aproxima as entidades em causa de quem as afincadamente perscruta, percorrendo o local e ultrapassando as barreiras físicas nele contidas.

Há mais casos (tantos) que revelam a importância da audição neste filme e dos efeitos que acarreta: aquele em que Travolta retorna ao seu estúdio e procura a fita com a dita gravação, apercebendo-se que a sua benquista biblioteca foi integralmente apagada, levando De Palma a executar vertiginosas panorâmicas de 360º, um equivalente imagético para a inquietação, desorientação e ansiedade em que a personagem entra ao descobrir o seu espaço profissional violado e se deparar com um único som: o do nada; ou a perseguição na estação, onde o protagonista segue o rasto da mulher que aceitou ajudá-lo e do seu captor, partindo dos vários barulhos e bulícios dos sítios por onde vão passando com as imagens que suscitam. E se o filme culminará naquele travelling de 180º ao sabor do ralenti, com o rebentar dos fogos de artifício do 4 de Julho numa belíssima extravagância de luzes e cores, não é o complexo aparato visual mas sim um simples som o que ficará daquela noite (o grito de socorro da ajudante), levando a um final trágico, cínico, que abandonará Travolta à sua culpa na sala de projecção, incapaz de deixar de ouvir o brado doloroso daquela a quem prometeu segurança e cuja morte provocou. “Um bom grito” para um filme, um inferno sónico para um homem.

E tudo isto porque um pedaço de fita foi ouvido, rebobinado e reouvido, uma e outra vez, levando a que, antes do ruído do estoiro do pneu, um outro fugidio fosse exumado. BANG!, uma bala saída do cano, um tiro no escuro, um som e um som apenas, escutado com mais atenção, resulta na diferença entre acidente e assassinato, entre um infeliz imprevisto e uma vil conspiração. São pormenores subtis, inesperados e surpreendentes como este que fazem de Blow Out um filme tão tenso e impactante, com algo tão ou mais crucial do que os seus cuidadosamente compostos enquadramentos e aguerridos movimentos de câmara: a sua banda sonora, um lembrete rico, robusto e meticuloso da fundamentalidade da audição na forma como nos relacionamos com o que nos rodeia, seja dentro ou fora do cinema.

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Duarte Mata

Perguntaram-lhe: "Mr. Ford, you made a picture called 'Three Bad Men', which is a large scale western, and you had a quite elaborated land rush in it. How did you shoot that?" E ele respondeu: "With a camera."

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