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“Eight Hours Don’t Make a Day”: a família feliz de Fassbinder

De Daniela Rôla · Em Abril 17, 2020

Em Outubro de 1972, o canal televisivo alemão WDR difundia, em horário nobre, o primeiro episódio da série Acht Stunden sind kein Tag (Eight Hours Don’t Make a Day, 1972) de Rainer Werner Fassbinder. O quinto e último episódio seria exibido em Abril de 1973.

Acht Stunden sind kein Tag (Eight Hours Don’t Make a Day, 1972) de Rainer Werner Fassbinder

I.  

A série resultou de um convite que foi endereçado a Fassbinder por Peter Märthesheimer, produtor da WDR, numa altura em que este canal pretendia reforçar a sua oferta televisiva criando programas de ficção com conteúdos inovadores, que fossem de encontro a um novo público. A série deveria espelhar a realidade social, mostrando também o contexto profissional e centrando-se na vida dos operários, em lugar de repetir os habituais conteúdos baseados em histórias vividas no meio familiar das classes privilegiadas.  

Trata-se de uma “série familiar”, conforme é descrita em subtítulo. Tal poderia levar a enquadrar a série num universo que era então popular junto do público da televisão da Alemanha ocidental. O das séries familiares que, retratando uma vivência familiar, se destinavam também a ser vistas em família. Fassbinder pega neste género pré-definido e faz dele uma outra coisa, mostrando, paralelamente, o mundo do trabalho e o mundo da vida privada.

É também possível considerar que Acht Stunden sind kein Tag é uma série familiar num outro sentido, já que aqui se reúne a família Fassbinder, um círculo alargado de actores que haveriam de participar em várias das suas obras, como Gottfried John, Hanna Schygulla, Irm Hermann, Brigitte Mira, Ulli Lommel ou Margit Carstensen.

Fassbinder veicula um sentimento de total optimismo e de crença inabalável na solidariedade como força transformadora.

Se existe um lado familiar (ainda que reabilitado), caberá também referir o lado pouco familiar ou mais estranho da série, na medida em que, afastando-se do pessimismo que poderíamos esperar de uma obra saída das mãos de Fassbinder, ela veicula um sentimento de total optimismo e de crença inabalável na solidariedade como força transformadora. A tal ponto que ficamos com uma forte suspeita de que Fassbinder nos está a esconder algo de soturno. 

Cada episódio abre sob uma melodia doce e festiva que parece anunciar um filme de Jacques Tati e que logo deixa antever algo de totalmente alheio ao habitual universo Fassbinder. Os cinco episódios tomam o nome das principais personagens, desde logo agrupadas em pares, num prenúncio de colaboração e entreajuda: Jochen e Marion, Avó e Gregor, Franz e Ernst, Harald e Monika, Irmgard e Rolf. Esta designação é, no entanto, de mera conveniência, já que o fio da história vai deambulando pela teia de relações que une cada uma destas personagens às restantes. Assim, começamos numa festa familiar, em que é celebrado o sexagésimo aniversário da avó. A um dado momento, falta o espumante e Jochen (Gottfried John) sai de casa para ir a uma máquina de venda automática comprar mais uma garrafa. É aqui que Jochen irá conhecer Marion (Hanna Schygulla), num cenário que parece tomar por modelo outras cenas de sedução passadas em estabelecimentos de automat, em jeito de comédia screwball, como sucede, por exemplo, em Easy Living (Uma Pequena Feliz, 1938) de Mitchell Leisen. 

Marion será a personagem dotada de uma clarividência e de uma candura que lhe permitem traçar o seu próprio caminho e apoiar Jochen de maneira iluminada. É especialmente enternecedor o momento em que Jochen se declara, quando ele está perfeitamente desarmado perante Marion, que luta usando armas celestiais, dizendo-lhe, depois de muitas hesitações e com total simplicidade, “senti a tua falta, é estranho não te ter ao meu lado”. É um despojamento tão inocente e tão belo que será talvez um dos momentos mais puramente românticos na obra de Fassbinder. 

A par de Marion, uma outra personagem feminina marca toda a narrativa – a avó desempenhada por Luise Ullrich – a Mizzi do Liebelei (Namorico, 1932), de Max Ophüls. Acompanhamo-la também quando encontra Gregor, o seu novo companheiro. Quando eles procuram uma nova casa, mas as rendas são demasiado elevadas. Quando decidem abrir um jardim de infância numa biblioteca abandonada, de forma a que as crianças do bairro não sejam obrigadas a brincar na rua.

Acht Stunden sind kein Tag (Eight Hours Don’t Make a Day, 1972) de Rainer Werner Fassbinder

E daqui partimos para um mosaico de pequenas histórias: Monika que tentar pôr fim à relação desastrosa que a liga ao seu marido Harald, e que vai namoriscando um dos colegas de Jochen, ou Irmgard, a colega de Marion, que começa por desdenhar a classe operária, mas que acaba por se envolver com Rolf, um dos operários da fábrica.

Mais do que uma análise estática da realidade social, Fassbinder quer propor a possibilidade de mudança, por meio de um optimismo frutífero. Personagens que tomam decisões, que energicamente modificam a realidade, que têm a possibilidade de activamente controlar o seu destino.

David Hockney afirmou que, neste momento de confinamento, as únicas coisas que ele vê como reais são a comida e o amor, por esta ordem. Também em Acht Stunden sind kein Tag tudo parece, por vezes, girar em volta da comida e do amor.

Assim, não deve espantar-nos que o operário não seja aqui mero animal laborans. Em lugar de serem tão-só uma peça na engrenagem da produção industrial, os operários aparecem aqui como seres envolvidos no seu trabalho, seres que, na sua individualidade, mas também na sua força enquanto grupo, são capazes de agir. Fassbinder é generoso para com as suas personagens, dotando-as de dimensão própria, quase apetecendo imaginar que este grupo de operários é uma equivalente tardio daquele grupo de empregados de balcão do filme de Lubitsch, The Shop around the Corner (A Loja da Esquina, 1940). 

Não se trata de criar uma visão beatífica da classe operária, mas antes de, na sua diversidade, retratar um grupo que pode tornar real a possibilidade de mudança.

Nas palavras do próprio Fassbinder, “…com um grande público, como para uma produção televisiva, seria reaccionário – sim, quase um crime – retratar um mundo sem esperança, porque, acima de tudo, é preciso dar coragem ao público e dizer: para ti existem possibilidades. Tu tens um poder que podes colocar em prática, porque os teus opressores dependem de ti.”

A esperança está também na possibilidade de um trabalho conjunto entre gerações, aparecendo a avó como figura revolucionária improvável, que tem a força de mudar a sociedade, tem sede dessa possibilidade de mudança e parece tudo poder alcançar usando a criatividade. Ela funciona quase como uma super-heroína, a quem todos recorrem como derradeira instância para resolver os seus problemas. 

E, ao mesmo tempo, há toda uma aparente simplicidade desconcertante nestas pequenas histórias. Num artigo recentemente publicado pela BBC, o artista David Hockney falava da sua experiência de confinamento, afirmando que, no momento que atravessava, as únicas coisas que ele via como reais eram a comida e o amor, por esta ordem. Também em Acht Stunden sind kein Tag tudo parece, por vezes, girar em volta da comida e do amor, inclusive num delicioso gag em que Jochen, padecendo do mal oposto das personagens de Le charme discret de la bourgeoisie (O charme discreto da burguesia, 1972), se vê obrigado a enfrentar três almoços de seguida, sendo-lhe sempre servida couve recheada. 

Na verdade, toda esta possibilidade de solidariedade iluminadora tem muito de subversivo, tendo mesmo gerado fortes críticas que acabariam por ter um peso determinante nas decisões relativas à produção da série, como adiante veremos. 

Acht Stunden sind kein Tag (Eight Hours Don’t Make a Day, 1972) de Rainer Werner Fassbinder

II.

Em Acht Stunden sind kein Tag, Fassbinder toca criticamente algumas das características que definem a alma alemã. Deixamos aqui três exemplos desses momentos. 

“Spieβer” é o termo que Marion usa para provocar Joechen quando ele se mostra renitente em entrar num clube de striptease, apelidando-o de pequeno-burguês. “Spieβer” ou “Spieβbürger” é o alemão que sonha com a sua casa confortável, o carro estacionado à porta e uma reforma confortável no final de uma vida de trabalho. O ataque de Marion acaba, neste caso, por ripostar, uma vez que Jochen a provoca também ao encetar um flirt com a miúda que se senta ao seu lado no bar, levando a que Marion abandone o clube. 

O exemplo mais acabado de “Spieβer” é Harald, quase a única personagem verdadeiramente odiosa da série, ainda que acabe por gozar uma pequena redenção, ao aceitar, de forma muito pragmática, a sua separação de Monika.

A série vinha também sendo criticada pelo facto de ignorar a representação das estruturas colectivas, quer a nível de associações patronais, quer a nível de sindicatos, assim ignorando a dimensão de negociação colectiva.

Numa série que tem como foco principal o trabalho, está também naturalmente em causa a forma como ele é abordado. “Arbeitswut” é o termo alemão que, mais do que capacidade para o trabalho ou ética de trabalho, traduz uma verdadeira paixão pelo trabalho, quase patológica. Pelo que não espanta que o próprio título da série tenha que relembrar que o dia não se resume àquelas oito horas ocupadas a trabalhar. Aqui, os momentos felizes da vida privada contagiam a vida laboral e vice-versa.  

“Vereinsmeier” é o termo que identifica o indivíduo que organiza toda a sua vida, especialmente os tempos livres, numa lógica associativa.  No segundo episódio é bem ilustrada esta tendência associativa dos alemães, a qual terá as suas raízes nos salões literários do séc. XVIII, estimando-se que existam hoje mais de 600.000 associações na Alemanha. A avó vai pensando diversas associações, para a defesa de interesses dos inquilinos e dos utilizadores de transportes públicos, para descobrir que já todas as associações foram inventadas. Há mesmo alguém que, a dada altura, lhe contrapõe, exasperado: “mais uma associação!”. 

Acht Stunden sind kein Tag (Eight Hours Don’t Make a Day, 1972) de Rainer Werner Fassbinder

III.

No início de Abril de 1973, poucos dias depois de ter sido emitido o quinto episódio de Acht Stunden sind kein Tag, o canal de televisão WDR emite o programa Glashaus – TV intern, um programa de debate dedicado à análise dos conteúdos que faziam parte da grelha televisiva, permitindo um olhar da televisão para si própria. Nessa emissão, o foco incide sobre a série de Fassbinder. A série, que vinha sendo objecto de ampla discussão e polémica, é ali fortemente atacada, principalmente com base no argumento de que os operários não são retratados de forma realista. A série vinha também sendo criticada pelo facto de ignorar a representação das estruturas colectivas, quer a nível de associações patronais, quer a nível de sindicatos, assim ignorando a dimensão de negociação colectiva que é um elemento importante da regulação laboral e de resolução de conflitos na Alemanha. Pouco tempo depois, a WDR anunciaria o cancelamento da produção dos três episódios adicionais que estavam previstos.  

Este não foi, contudo, o fim da relação de Fassbinder com a WDR, já que ele viria ainda a realizar para este canal Welt am Draht (O Mundo no Arame, 1973), Martha (Martha, 1974), Wie ein Vogel auf dem Draht (Like a Bird on a Wire, 1975), Angst vor der Angst (Fear of Fear, 1975) e Berlin Alexanderplatz (Berlin Alexanderplatz, 1980).

Na verdade, a WDR tinha todos os motivos para desejar renovar a colaboração com Fassbinder. Leia-se, aliás, os relatos da primeira reunião com os responsáveis de departamento da WDR. A apreensão inicial face a um realizador que poderia ser visto como uma escolha pouco óbvia para o projecto dissiparam-se quando todos constataram que Fassbinder tinha já delineado em pormenor o plano de filmagens para o primeiro dia, envolvendo um travelling complexo. Fassbinder realizava o seu trabalho de forma extremamente disciplinada, não raras vezes terminando as filmagens antes mesmo do prazo final previsto, o que viria também a suceder neste primeiro trabalho para a WDR. As filmagens ficaram concluídas em 105 dias, menos 10 dias do que o inicialmente previsto. 

IV.

Em jeito de conclusão, o desafio que fica é este: vermos esta série e, no final dos seus 475 minutos, sermos capazes de nos declarar imunes ao sentimento de optimismo e felicidade quase pueril que ela provoca. 

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Daniela Rôla

"In Hyde Park, for instance, some people like to feed nuts to the squirrels. But if it makes you happy to feed squirrels to the nuts, who am I to say, «nuts to the squirrels?»" - Cluny Brown, Ernst Lubitsch (1946)

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