1.º Once Upon a Time… in Hollywood (Era Uma Vez em… Hollywood, 2019) de Quentin Tarantino – 67 pts.; 2.º The Mule (Correio de Droga, 2018) de Clint Eastwood – 65 pts.; 3.º Joker (2019) de Todd Phillips – 45 pts.; 4.º Gisaengchung (Parasitas, 2019) de Bong Joon-ho – 40 pts.; 5.º Vitalina Varela (2019) de Pedro Costa – 38 pts.; 6.º Transit (Em Trânsito, 2018) de Christian Petzold – 34 pts.; 7.º Un couteau dans le coeur (Coração Aberto, 2018) de Yann Gonzalez – 32 pts.; 8.º Mektoub, My Love: Canto Uno (Mektoub, Meu Amor: Canto Primeiro, 2017) de Abdellatif Kechiche – 30 pts.; 9.º L’empire de la perfection (John McEnroe: O Domínio da Perfeição, 2018) de Julien Faraut – 30 pts.; 10.º Se rokh (Três Rostos, 2018) de Jafar Panahi – 28 pts.
Chacun son cinéma. Parece-nos surpreendente olhar para os Tops individuais e notar que apenas um filme ocupa mais que uma vez o lugar cimeiro, Mektoub, My Love: Canto Uno (2017) de Abdellatif Kechiche, e que este título termina no oitavo lugar do Top final (serviu de critério de desempate as duas distinções individuais de “filme do ano”). Mais um facto curioso: apenas um walshiano, no caso, walshiana, “acerta” no primeiro lugar, colocando no topo da sua lista o filme que o À pala de Walsh considerou o melhor de 2019: Once Upon a Time… in Hollywood (2019) de Quentin Tarantino. O que é que isto pode significar? Que o ano foi diverso, que as preferências se dividiram muito com base num universo significativo de obras. Sinal de um ano especialmente rico? Possivelmente, mas esta não é uma opinião unânime entre os walshianos, como podemos verificar lendo os seus textos individuais.
Outra nota interessante: pela primeira vez no À pala de Walsh, os três primeiros lugares são ocupados por filmes americanos. Num ano em que James Gray, Jim Jarmusch e Brian De Palma (nomes queridos aqui no burgo) estrearam filmes, foram Quentin Tarantino [depois de obter o terceiro lugar em 2016, por força de The Hateful Eight (Os Oito Odiados, 2016), e o quinto posto em 2013, na sequência de Django Unchained (Django Libertado, 2012)], Clint Eastwood e, o nome mais surpreendente deste Top, Todd Phillips a receber os maiores louvores. A partir do pódio, o cinema americano dá lugar ao resto do mundo, sobressaindo o cinema francês com três títulos, mas assinale-se que o alemão Christian Petzol e o iraniano Jafar Panahi são nomes repetentes por comparação com Tops anteriores. A Palma de Ouro do sul-coreano Bong Joon-ho é, porventura, o filme mais consensual do ano, mas só por duas vezes atinge o pódio dos nossos walshianos. O cinema português aparece representado pela obra mais recente de Pedro Costa, cineasta cujo seu Cavalo Dinheiro (2014) havia sido distinguido com o prémio de obra máxima do ano. O outro filme português mais representado nos nossos Tops, mas que não chegou à lista final, foi Terra Franca (2019) de Leonor Teles, que aparece por três vezes nos balanços individuais. Só por uma vez, em 2012, um Top final do À pala de Walsh não incluiu um filme português.
Bernardo Vaz de Castro
- Vitalina Varela de Pedro Costa
- Jiang hu er nü (As Cinzas Brancas Mais Puras, 2018) de Jia Zhangke
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- Un couteau dans le coeur (Coração Aberto, 2018) de Yann Gonzalez
- Dead Souls (Almas Mortas, 2018) de Wang Bing
- Se rokh (Três Rostos, 2018) de Jafar Panahi
- Bacurau (2019) de Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
- Sorry We Missed You (Passámos Por Cá, 2019) de Ken Loach
- Monrovia, Indiana (2019) de Frederick Wiseman
- A Portuguesa (2018) Rita Azevedo Gomes
Creio que as escolhas falaram por si, assim como os textos que ao longo deste ano fui publicando sem que haja a necessidade de reiterar a minha posição sobre os 10 filmes que apresento. Aproveito antes este espaço para dois desabafos que creio serem essenciais: o primeiro, prende-se com o facto de que ao contrário do entusiasmo partilhado por vários colegas meus, considero que 2019 foi um ano pobre, com a agravante de que se não fossem os festivais de cinema – sobretudo o Leffest – este país seria um autêntico deserto cinematográfico. E não, não faço parte do coro que somente se indigna com a ausência de Scorsese (cineasta que confesso não ter qualquer tipo de admiração/relação há décadas), mas antes pelo continuado ignorar por parte dos distribuidores de cinema de dezenas de obras que percorrem os festivais e obtém louvores, enquanto por cá é preferível entupir as salas com o óbvio, a pipoca e filmes sem o mínimo de interesse. Qual o motivo pelo qual o novo filme de Albert Serra ainda não estreou? Porque raramente vemos um filme romeno chegar a Portugal nos últimos anos (Jude que é um cineasta incontornável na actualidade, não fossem os festivais, e nunca o veríamos)? Qual o motivo pelo qual o cinema asiático praticamente não chega a Portugal (salvo as excepções dos maiores nomes e que mesmo assim, por vezes rareiam; basta pensar que os últimos dois filmes de Hong Sang-soo não tiveram exibição comercial em Portugal, o que demonstra que nem os “grandes” estão a salvo). O segundo, serve unicamente como nota e réplica às elogiosas críticas a Joker, filme que eu considero absolutamente desprezível e do qual não consigo encontrar um único motivo para que o cineasta de “A Ressaca” seja agora levado ao colo como um grande metteur en scène.
Carlos Alberto Carrilho
- Climax (Clímax, 2018) de Gaspar Noé
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- Un couteau dans le coeur de Yann Gonzalez
- Transit de Christian Petzold
- Us (Nós, 2019) de Jordan Peele
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- The House That Jack Built (A Casa de Jack, 2018) de Lars von Trier
- Leto (Verão, 2018) de Kirill Serebrennikov
- Beoning (Em Chamas, 2018) de Lee Chang-Dong
- The Dead Don’t Die (Os Mortos Não Morrem, 2019) de Jim Jarmusch
E ainda: Midsommar (2019) de Ari Aster, Glass (2019) de M. Night Shyamalan, Happy Death Day 2U (2019) de Christopher Landon, Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman, The Prodigy (2019) de Nicholas McCarthy, A Portuguesa de Rita Azevedo Gomes, Ang panahon ng halimaw (2018) de Lav Diaz, Gräns (2018) de Ali Abbasi, Chuva é Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) de Renée Nader Messora e João Salaviza, Ahlat Agaci (2018) de Nuri Bilge Ceylan, Dumbo (2019) de Tim Burton, Pet Sematary (2019) de Kevin Kölsch e Dennis Widmyer, Piercing (2018) de Nicolas Pesce, Dead Souls de Wang Bing, Napszállta (Anoitecer, 2018) de László Nemes, The Curse of La Llorona (2019) de Michael Chaves, The Beach Bum (2019) de Harmony Korine, High Life (2018) de Claire Denis, Annabelle Comes Home (2019) de Gary Dauberman, Her Smell (2018) de Alex Ross Perry, Crawl (2019) de Alexandre Aja, Child’s Play (2019) de Lars Klevberg (2019), Scary Stories to Tell in the Dark (2019) de André Øvredal, It: Chapter Two (2019) de Andy Muschietti, Ad Astra (2019) de James Gray, Joker (2019) de Todd Phillips, Netemo sametemo (2019) de Ryûsuke Hamaguchi, Il traditore (2019) de Marco Bellocchio, Doctor Sleep (2019) de Mike Flanagan, Gemini Man (2019) de Ang Lee, Tommaso (2019) de Abel Ferrara.
Carlos Natálio
- Joker de Todd Phillips
- The Mule de Clint Eastwood
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- Transit de Christian Petzold
- Diamantino (2018) de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt
- Dolor y gloria (Dor e Glória, 2019) de Pedro Almodóvar
- Toy Story 4 (2019) de Josh Cooley
- Beoning (Em Chamas, 2018) de Lee Chang-Dong
- The House That Jack Built de Lars Von Trier
- Once Upon a Time in… Hollywood de Quentin Tarantino
Apetece começar pelo fim. Sobretudo nos últimos meses foi difícil acompanhar as estreias nacionais. Por isso, falhas importantes a actualizar no inicio de 2020: Vitalina Varela de Pedro Costa, The Irishman (O Irlandês, 2019), de Martin Scorsese, The Marriage Story (2019) de Noah Baumbach, Bacurau de Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho, Bostofrio (2019) de Paulo Carneiro, Turno do Dia (2018) de Pedro Florêncio, Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman, L’empire de la perfection de Julien Faraut, Dead Souls de Wang Bing, Tommaso de Abel Ferrara, A Rainy Day in New York (Um Dia de Chuva em Nova Iorque, 2019) de Woody Allen e Il traditore de Marco Bellocchio. Como se pode ver a lista é apreciável. Depois ainda as desilusões: Gray, Yann Gonzalez, Jarmusch, Korine, Panahi, Azevedo Gomes, Tiago Guedes, Shyamalan, Lanthimos, Kechiche, Redford.
Entretanto, do resto que sobra,.. desmaiei aos pés do sofrimento dos esquecidos da vida com Joker, chorei com a sensibilidade de Eastwood, sanguessuguei a luta de classes com Bong, amei em tempos de guerra com Petzold, adoptei os gofres com bongo do Diamantino, cai nos abismos da auto-ficção com Almodóvar, levei a sobrinha a ver o drama dos brinquedos de Toy Story e saí partido, peguei fogo com o drama solitário de Chang-Dong, diverti-me com as teses maléficas de Trier e… um tanto a contragosto, continuo a sacar do chapéu ao senhor Tarantino. Feliz 2020 para todos!
Duarte Mata
- Se rokh de Jafar Panahi
- Joker de Todd Phillips
- Toy Story 4 (2019) de Josh Cooley
- A Portuguesa de Rita Azevedo Gomes
- Glass (2019) de M. Night Shyamalan
- High Life (2018) de Claire Denis
- Dragged Across Concrete (Na Sombra da Lei, 2018) de S. Craig Zahler
- Ahlat Agaci (A Pereira Brava, 2018) de Nuri Bilge Ceylan
- Ford v Ferrari (Le Mans ’66: O Duelo, 2019) de James Mangold
- A Rainy Day in New York (Um Dia de Chuva em Nova Iorque, 2019) de Woody Allen
Quem acompanhou o À Pala de Walsh ao longo destes 12 meses sabe que filmes como Once Upon a Time in Hollywood (Era Uma Vez em… Hollywood, 2019), The Mule (Correio de Droga, 2019) ou Vitalina Varela (2019) têm certamente lugares assegurados na lista final dos melhores do ano. É por isso que elaborar mais uma com os seus nomes reiterados parece-me, sinceramente, desnecessário. Na minha opinião, a utilidade das listas (se alguma) deve ser a de despoletar a atenção para obras que correm o risco de passarem despercebidas, ignoradas, rotuladas como “mais umas” ou, pior, “dispensáveis” entre centenas de estreias anuais, tentando motivar quem a consulte a procurá-las, descobri-las e, quiçá, a encontrar nelas os seus eventuais méritos (que nem sequer podem ser os mesmos que levaram o autor da lista a seleccioná-las).
Por isso, escolho fazer uma jogada diferente da dos meus estimados colegas walshianos e reservar a segunda metade da minha para salientar filmes que sei que poucos defensores encontraram nesta casa, convidando o leitor a também conhecê-los (se não o fez já). São filmes a que atribuí uma classificação inferior aos originalmente colocados, mas são neles que vejo, francamente, a possibilidade de transmitir uma identidade pessoal, de criar uma listagem a quem possa chamar totalmente “minha”, através de vários títulos que, quanto mais me debruço em retrospectiva, mais os sinto em crescimento. Porque o último Claire Denis, na sua invocação de cavaleiros arturianos em fatos espaciais e Medeias em batas de laboratório, assim como na orquestração de uma meditativa sinfonia visual de corpos, cabelos, olhares e toques, foi a experiência em sala mais íntima e directa que tive este ano. Porque Steven Craig Zahler provou pela terceira vez consecutiva que é um cineasta obrigatório de se acompanhar, singular no seu cinema feito de atmosferas sombrias em ritmos calmos, diálogos eloquentes cobertos por uma masculinidade magoada, e exploração da moral dos protagonistas ao extremo. Porque as palavras sobre os quais se assentam cada vez mais os novos filmes de Nuri Bilge Ceylan levaram-no a um cativante Künstlerroman cinematográfico. Porque James Mangold, ao fazer um cinema de acção povoado por um forte lado humano, não hesitando em beber da fonte apolínea dos clássicos, provou mais uma vez que é o melhor dos tarefeiros americanos da actualidade. E porque o último Woody Allen… bom, porque ver o último Woody Allen é mais do que assistir a um filme. É encontrar um velho amigo para ir tomar um café. E se há coisa que cada vez mais valorizo com o passar dos anos é o café tomado com um velho amigo.
E quanto aos cinco primeiros lugares? O espelho aflitivo de Joker, a depuração emotiva de Toy Story 4, a beleza pictórica d’A Portuguesa, as ideias cinematográficas de Glass, tudo isto são características diferentes de tipos de filmes diferentes que me provocaram um igual entusiasmo, e a ordem de preferência em que as coloco é essa como poderia ter sido qualquer outra. Mas é ao humanismo intrépido de Se rokh a que daria sempre maior destaque. E com este inventário híbrido me despeço do verdadeiramente feliz ano cinematográfico que foi 2019. Boas festas a todos.
Francisco Noronha
- Mektoub, My Love: Canto Uno de Abdellatif Kechiche
- Once Upon a Time in Hollywood de Quentin Tarantino
- Joker de Todd Phillips
- The Favourite (A Favorita, 2018) de Yorgos Lanthimos
- Un couteau dans le coeur de Yann Gonzalez
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- Tommaso de Abel Ferrara
- A Herdade (2019) de Tiago Guedes
- Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos (2018) de João Salaviza e Renée Nader Messora
- Divino Amor (2019) de Gabriel Mascaro
E ainda: The Beach Bum, Estiu 1993, Toy Story 4, Dolor y Gloria, Hustlers, Marriage Story, Atlantique, The Old Man & the Gun, The Mule, A Raining Day in New York.
Na minha lista “original”, The Beach Bum e A Raining Day in New York também tinham lugar, mas, em razão dos critérios aqui adoptados (impossibilidade de ex aequo), acabaram, infelizmente, por ter de cair fora. O mesmo se diga, ainda que por outros mas compreensíveis motivos (critério de estreias exclusivamente em sala), para a ausência de Atlantique (Matti Diop) da lista dos primeiros dez. Adiante. No ano passado, lamentava o facto de, pela primeira vez em muitos anos, não me ter ligado intimamente, amorosamente, a nenhum filme. O primeiro tomo da anunciada trilogia de Abdellatif Kechiche veio agora resolver esse problema – e, quase apetece dizer, por muitos anos. Filme de um imenso e contagiante lirismo, acompanhou-me durante todo o ano, preenchendo os buracos e dúvidas interiores com a mais bela das luzes. A ele pertence também aquela que foi, provavelmente, a mais inesquecível cena que vi numa sala de cinema em 2019 – passa-se num curral e é um autêntico milagre de ordens várias (inclusivamente cinematográfica no sentido técnico). Dieu donne sa lumière à qui il veut.
Inês N. Lourenço
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- The Mule de Clint Eastwood
- Vitalina Varela de Pedro Costa
- Transit de Christian Petzold
- Dolor y gloria (Dor e Glória, 2019) de Pedro Almodóvar
- Toy Story 4 de Josh Cooley
- Se rokh de Jafar Panahi
- L’empire de la perfection de Julien Faraut
- Il traditore (O Traidor, 2019) Marco Bellocchio
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
2019 em 10 estações: a fantasia melancólica de Tarantino, as rugas serenas de Clint Eastwood, o luto de Vitalina Varela, o desamparo coreográfico de Transit, as dores e auto-ficção de Almodóvar, o desempacotar de emoções de Toy Story 4, a idiossincrasia iraniana de Se rokh, o desporto como discurso cinematográfico em L’empire de la perfection, a angústia de Il traditore, a lei do olfacto em Parasitas.
João Araújo
- Beoning de Lee Chang-dong
- Napszállta (Anoitecer, 2018) de László Nemes
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- Vitalina Varela de Pedro Costa
- Gisaengchung de Bong Jonn-ho
- Ahlat Agaci (A Pereira Brava, 2018) de Nuri Bilge Ceylan
- Jiang hu er nü de Jia Zhangke
- Transit de Christian Petzold
- Bacurau de Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
- Se rokh de Jafar Panahi
Uma menção “honrosa” para filmes que podiam também estar nesta lista: Sorry We Missed You de Ken Loach, Ad Astra de James Gray, Netemo sametemo (Asako I & II, 2018) de Ryûsuke Hamaguchi, The Mule de Clint Eastwood, Dolor y gloria de Pedro Almodóvar, Joker de Todd Phillips, Mektoub, My Love: Canto Uno de Abdellatif Kechiche, Terra Franca (2018) de Leonor Teles e Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman.
Este foi um dos melhores anos para o cinema nos últimos tempos, com uma lista repleta de obras entusiasmantes e marcado também pelos regressos à melhor forma: o melhor filme em vários anos de Scorsese, Tarantino, Eastwood, Jia Zhangke, Almodóvar, Christian Petzold e Noah Baumbach. No entanto, os caminhos aleatórios da distribuição de cinema em Portugal continuam a surpreender (e a fazer pouco sentido). Atente-se ao caso dos três mais importantes prémios de Cannes: se a Palma de Ouro (Parasitas) foi um sucesso relativo por cá, Bacurau estreou apenas numa sala de cinema e já perto do fim do ano, enquanto Atlantique (2019) não teve sequer direito a estreia passando directamente para a Netflix, tal como outros dois dos melhores filme do ano, The Irishman (2019) e Marriage Story (2019), mesmo tendo sido exibidos nos cinemas em outros países europeus. Fica portanto um desejo para 2020: nada contra a exibição de filmes noutras plataformas, mas deixem-nos com a possibilidade de continuar a ver cinema em sala [como por exemplo no caso de Roma (2018)], nessa comunhão solitária.
Destas dez sugestões de filmes a ver que esta lista representa, Bacurau e Três Rostos apresentam uma viagem simbólica e mordaz ao interior de países em convulsão como forma de renovação; As Cinzas Brancas Mais Puras e Em Trânsito mostram-nos duas histórias de amor dominadas pelo sofrimento; A Pereira Brava e Era Uma Vez em… Hollywood exploram o papel dos duplos e da arte como possibilidade de regeneração (no primeiro as várias gerações de uma família e um livro, no segundo dois amigos e um filme). Se o ano foi dominado por dois filmes sul-coreanos, Em Chamas e Parasitas, duas representações fulgurantes sobre a fractura social e das consequências da (i)mobilidade de classes, outros dois filmes (além do referido Tarantino) chegaram perto da generosidade e obsessão contagiante em relação às suas personagens: Vitalina Varela e Anoitecer são dois exemplos de um formalismo magnífico, dois retratos sobre duas figuras femininas em afirmação solitária, a lutar pelo seu espaço contra o mundo – se já reconhecíamos essa capacidade transcendente em Pedro Costa, László Nemes volta a afirmar-se como um dos autores mais relevantes e originais na forma como foca-se na sua protagonista, desfocando tudo o resto. Porém, sobre esse tema da solidão debilitante e da reivindicação, Em Chamas é o filme que mais continua ainda a ecoar, na sua angústia e fragilidade humana, retrato tanto assombroso como poético, inquietação e salvação ao mesmo tempo.
João Lameira
- L’empire de la perfection de Julien Faraut
- The Mule de Clint Eastwood
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- Joker de Todd Phillips
- Mektoub, My Love: Canto Uno de Abdellatif Kechiche
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman
- Technoboss (2019) de João Nicolau
- Transit de Christian Petzold
- The Old Man & the Gun (2018) de David Lowery
Desde o início do À pala de Walsh compusemos as listas de melhores filmes do ano somente com estreias em sala. Este ano, repetimos o critério. Dificilmente o voltaremos a fazer, parece-me. The Irishman, a última longa-metragem de Martin Scorsese, que seguramente constaria em muitas das listas individuais (e muito provavelmente da colectiva), ficará assim de fora. Assim como Marriage Story (2019) de Noah Baumbach. São obras que estreariam de caras há uns dois ou três anos e que agora estão apenas acessíveis aos subscritores da Netflix ou para quem tem ou teve a sorte de vê-las em sessões especiais ou em festivais. E já se anuncia que Uncut Gems (2019) dos irmãos Safdie sofrerá o mesmo destino.
Pode culpar-se a Netflix, produtora dos três filmes citados, pela falta de vontade em exibi-los comercialmente em países periféricos como Portugal. A estreia de Roma (2018) de Alfonso Cuarón, no fim do ano passado, mais do que uma vitória dos distribuidores e dos exibidores, foi uma última concessão da cada vez mais poderosa empresa norte-americana.
A partir de agora, o cinema pode ser exibido num telemóvel, num computador, no televisor lá de casa, tanto faz. Parece libertador, mas é exactamente o contrário. Num futuro não muito longínquo, para conseguirmos ver os filmes que nos interessam, teremos de subscrever uma dúzia de serviços streaming (um bocado o que já acontece com os desportos, nomeadamente o futebol). Haverá sempre a pirataria, dirão alguns, mas mesmo essa anda pelas ruas da amargura, crescentemente policiada e perseguida.
Contudo, esta questão não passa de um sintoma. A verdadeira doença reside acolá, no total desinteresse das grandes companhias (Disney à cabeça) em financiarem qualquer obra que não garanta um retorno financeiro gigantesco (o novo filme da Marvel, a próxima sequela da Guerra das Estrelas) e no interesse absoluto das plataformas de streaming em protegerem o seu modelo de negócio. Ou seja, no triunfo do liberalismo económico, em que o lucro é o grande ditador de todas as coisas. (E ainda há quem finja não perceber para que é necessário o apoio público às artes.) Passava por aí, de resto, o argumento mais importante a extrair das recentes palavras de Scorsese sobre a Marvel e não aquela espúria discussão sobre o que é ou não cinema.
O problema agrava-se em Portugal por estarem a desaparecer todos os anos salas de cinema independentes. Em Lisboa, restam duas, o Ideal e o Nimas (até quando?). No Porto, a situação não é muito melhor. O resto do país, então, é um deserto há demasiado tempo, pontuado aqui e ali por pequenos oásis, os cineclubes. 2019 poderá ficar marcado como o ano da morte da sala de cinema enquanto ”casa” dos filmes. Esperemos que não. O sucesso do reaberto Cinema Trindade no Porto ainda permite alguma esperança. Que se repita.
Luís Mendonça
- Glass de M. Night Shyamalan
- The Mule de Clint Eastwood
- Joker de Todd Phillips
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- Vitalina Varela de Pedro Costa
- Toy Story 4 de Josh Cooley
- The Beach Bum de Harmony Korine
- Terra Franca de Leonor Teles
- Gisaengchung de Bong Joon-ho
- Turno do Dia (2018) de Pedro Florêncio
Infelizmente, não me foi nada fácil acompanhar o ano cinematográfico em sala. Desde que há À pala de Walsh, nunca tinha visto tão poucos filmes (51 ao todo) que tiveram distribuição comercial. De qualquer modo, não escondo o entusiasmo com muitos dos filmes que consegui ver, destacando-se, aos meus olhos, os filmes americanos que, vindos do mainstream, se revelaram objectos complexos, de um ponto de vista dramático e político. O mais complexo de todos – tratado sobre os ossos quebradiços da nossa noção de super-heroísmo – foi Glass, mas Joker acabou por ser uma das grandes surpresas do ano, abrindo portas a um cinema do corpo que estava quase ausente no cinema americano (excepção feita a Abel Ferrara e pouco mais). The Mule é a obra mais serena – uma serenidade magistral, quase “ozuniana” – de Eastwood em muito, muito tempo. Todos os outros filmes são notáveis e não posso deixar de referir ainda os comoventes títulos de Quentin Tarantino e Pedro Costa, que assinaram dois dos filmes mais humanos e, em certa medida, encantadores das suas filmografias (comparem-se os últimos planos destas obras).
Destaco ainda (por ordem de preferência): Dolor y gloria, Domino, Scary Stories to Tell in the Dark, António Um Dois Três e A Herdade. As desilusões principais? Sem dúvida que foram James Gray, Frederick Wiseman e Jim Jarmusch.
Por fim, lamento muito não ter conseguido ver os mais recentes de Abel Ferrara, Nanni Moretti, Christian Petzold, João Salaviza, Rita Azevedo Gomes, James Mangold e, outro que sinto que irei gostar, The Old Man & the Gun, com Robert Redford. Aos Deuses do Cinema, as minhas desculpas.
Paulo Cunha
- Bacurau de Juliano Dornelles, Kleber Mendonça Filho
- Jiang hu er nü de Zhangke Jia
- The Mule de Clint Eastwood
- Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman
- Napszállta de László Nemes
- Ahlat Agaci de Nuri Bilge Ceylan
- Hálito Azul (2018) de Rodrigo Areias
- Tempo Comum (2018) de Susana Nobre
- Terra Franca de Leonor Teles
Ao fazer esta lista apercebi-me que vejo cada vez mais cinema sem estreia comercial. Porque vivo em Guimarães, há filmes que ainda não chegaram à minha sala (a do Cineclube), como o Vitalina Varela, o Frankie ou o J’Accuse, e outros passaram em dias de jogo do Vitória (Sinónimos, Joker, Pássaros de Verão…)… Mas, sem dúvida, 2019 foi o “ano Bacurau”, um acto de amor ao cinema, ao Brasil, à resistência e à liberdade. Felizmente, o Cinema Trindade (Porto) estreou o Bacurau em Portugal, tornando-o elegível para esta lista. O Cinema Trindade e os Cinelcubes são cada vez mais actos de amor ao cinema, à resistência e à liberdade!
Raquel Morais
- Dead Souls de Wang Bing
- Dolor y gloria de Pedro Almodóvar
- Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman
- Tempo Comum de Susana Nobre
- Transit de Christian Petzold
- Vitalina Varela de Pedro Costa
Como se diz na abertura do filme de Joseph Losey, The Go-Between, “The past is a foreign country; they do things differently there.” Da minha lista alfabética, não qualitativa, fazem partem filmes que vêm do passado: filmes repetidos, filmes que voltam a ele, filmes que lhe pertencem. Tempo Comum é o único que se inscreve num outro tempo, talvez fora dele, mãos de mulher.
Não sei se são estes os melhores de 2019 – os meus olhos cobiçaram muita coisa actual que não vi. Mas se alguém, assente no futuro, apanhar estes, não vai mal servido – leva nas mãos e na boca doçaria boa que se esqueceu em cima da mesa, o primor da roupa velha.
Ver menos, ver mais. O ano que vem tem outro dia e a esperança no futuro também é feita do que ficou para trás. Revisitemos o guarda-fatos e usemos, no 29 de Fevereiro, uma pecinha mais antiga.
Ricardo Gross
- Mektoub, My Love: Canto Uno de Abdellatif Kechiche
- Once Upon a Time… in Hollywood de Quentin Tarantino
- A Herdade de Tiago Guedes
- Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman
- Il traditore de Marco Bellocchio
- The Mule de Clint Eastwood
- Jia Zhang-ke by Walter Salles (Jia Zhang-ke, Um Homem de Fenyang, 2014) de Walter Salles
- Se rokh de Jafar Panahi
- In My Room (In My Room: No Meu Quarto, 2018) de Ulrich Köhler
- Jiang hu er nü de Zhangke Jia
O nosso consumo de cinema vai sendo cada vez mais diversificado, e até um comodista como eu teria outra história para contar daquilo que viu ao longo do ano. Escrevi nestas páginas sobre a série televisiva de Nicolas Winding Refn, Too Old to Die Young, lamentando não nos ter sido dada a hipótese de a vermos no cinema (foi o meu desejo utópico do ano). Mas tive a felicidade de ver o último Scorsese no grande ecrã. No topo da minha lista encerro ainda um desejo para o novo ano; de que me seja possível ver de alguma maneira o capítulo Intermezzo do Mektoub de Kechiche, e se me deixarem ser totalmente caprichoso, sem a amputação do momento sexual que originou o embargo do filme. E o novo dos Safdie, Uncut Gems, que gostava muito que estreasse, assim como penso que todos beneficiaríamos da estreia do melhor filme que vi este ano, Nuestro Tiempo, do mexicano Carlos Reygadas.
Ricardo Vieira Lisboa
- The Mule de Clint Eastwood
- L’empire de la perfection de Julien Faraut
- Bostofrio (2018) de Paulo Carneiro
- Un couteau dans le coeur de Yann Gonzalez
- Terra Franca de Leonor Teles
- Midsommar (2019) de Ari Aster
- High Life de Claire Denis
- Se rokh de Jafar Panahi
- Domino (2019) de Brian De Palma
- Diamantino de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt
Este ano a minha lista é puramente subjectiva – como sempre… -, mas mais que isso, é puramente afectiva. Contam-se quatro filmes da amizade, o filme do meu primeiro cabelo branco, o filme do maravilhamento, o filme da tesão, o filme da febre, o filme do prazer pelo acidente de beira de estrada, o filme da gargalhada e o filme da vida na nova cidade. Prova de que, mais do que qualquer outra coisa, a cinefilia é uma escrita auto-biográfica transviada e os filmes constituem as entradas no diário da adolescente púdica. Há quem se cure disso, e há quem se delicie, para sempre, nos prazeres do onanismo pubescente.
Samuel Andrade
- Ad Astra de James Gray
- High Life de Claire Denis
- Apollo 11 (2019) de Todd Douglas Miller
- The Favourite de Yorgos Lanthimos
- Bacurau de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
- L’empire de la perfection de Julien Faraut
- Un couteau dans le coeur de Yann Gonzalez
- Dolor y gloria de Pedro Almodóvar
- Transit de Christian Petzold
- Once Upon a Time in… Hollywood de Quentin Tarantino
Talvez seja apenas singular coincidência que, no âmbito dos 50 anos da Chegada do Homem à Lua, os três filmes de 2019 que mais apelaram aos sentidos, à razão e às causalidades da memória humana lidem directamente com a exploração do espaço. Certo é que Ad Astra e High Life merecem presença no “pódio” pelos seus intrínsecos valores criativos — com James Gray e Claire Denis, quase se poderia dizer que 2019 foi ano de “ficção-científica com pedigree” —, nomeadamente por intermédio de uma exposição (como há muitos anos não se assistia) da relação íntima entre existencialismo humano e o vazio do espaço em que, amiúde, o género orbita, ao mesmo tempo que não se pode negar a visão pessimista destes dois filmes sobre a circunstância, material e/ou moral, do Homem. Esses mesmos méritos podem ser atribuídos a Apollo 11 (o melhor filme de 2019 que “ninguém” viu?): inteiramente composto por imagens em movimento — inéditas, na sua grande maioria — do arquivo da NASA, ao que se acrescenta um exercício de assemblage que não só surge a montante do profícuo trabalho desenvolvido, nos últimos anos, em torno do documentário found footage, como despoleta um sentimento de entusiasmo no espectador que só a “reordenação” da realidade, na mesa de montagem, é capaz de proporcionar.
Paralelamente, esta selecção dos dez melhores filmes do ano espelha, inevitavelmente, todas as minhas obsessões cinéfilas: a distinta habilidade estética de títulos filmados em analógico — Ad Astra, The Favourite, Un couteau dans le coeur, até High Life foi parcialmente rodado nesse suporte — face à primazia digital nos ecrãs; o trabalho pedagógico do documentário sobre a Sétima Arte ou a reflexão sobre o próprio cinema de que John McEnroe: In the Realm of Perfection, Once Upon a Time in… Hollywood e Dolor y gloria são exemplos acabados; a metáfora político-social por Bacurau; e o thriller europeu pós-guerrade Transit.
De 2019, e por ordem puramente aleatória, também levo comigo: Terra Franca de Leonor Teles, Gisaengchung de Bong Joon-ho, Glass de M. Night Shyamalan, Vice de Adam McKay, Monrovia, Indiana de Frederick Wiseman, Vitalina Varela de Pedro Costa, The Mule de Clint Eastwood, Joker de Todd Phillips, Amazing Grace de Sydney Pollack e Alan Elliott, John Wick Chapter 3: Parabellum de Chad Stahelski, Il traditore de Marco Bellocchio, Caminhos Magnétykos de Edgar Pêra, The Eyes of Orson Welles de Mark Cousins, Diamantino de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, Três Rostos de Jafar Panahi e Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos de João Salaviza e Renée Nader Messora.