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À pala de Walsh
Críticas, Em Sala 2

“The Dead Don’t Die”: o fim do mundo segundo Jarmusch

De Carlos Alberto Carrilho · Em Junho 20, 2019

If you have a message, call Western Union.

Samuel Goldwyn 

The Sky Is Falling: How Vampires, Zombies, Androids, and Superheroes Made America Great for Extremism (2018), o novo livro de Peter Biskind, autor do incontornável Easy Riders, Raging Bulls: How the Sex-drugs-and Rock ‘n’ Roll Generation Changed Hollywood (1998), oferece pistas que confrontam o universo de The Dead Don’t Die (Os Mortos Não Morrem, 2019) de Jim Jarmusch, filme de zombies que assume como matriz o terror moderno de George A. Romero, Tobe Hooper ou Herschell Gordon Lewis. Partindo de um paralelismo entre o período desde o final da Segunda Guerra Mundial (1945) até meados da década de 1960 e o momento actual, Peter Biskind questiona a noção de extremismo no seio da cultura popular norte-americana. Após a Segunda Guerra Mundial, quem questionava a ideia prevalecente do excepcionalismo americano – special, better, greater – era acusado de extremismo, tanto os lunáticos de direita como os traidores de esquerda. A América vivia entre o optimismo da nova cultura consumista e as ansiedades levantadas pela Guerra Fria. Actualmente, embora se possam procurar antecedentes até ao governo de Ronald Reagan, na chegada de Donald Trump à Casa Branca, que conduz a presidência como se fosse um reality show, o extremismo tornou-se na nova maioria, podendo ser associado aos termos “divisivo” e “controverso”, mas também a ousadia e excitação, ao que é novo, diferente e refrescante, como as versões “extreme” de produtos clássicos e de canais televisivos convencionais. 

The Dead Don’t Die (Os Mortos Não Morrem, 2019) de Jim Jarmusch

No campo do cinema, com a decadência das vendas do formato DVD e o desafio levantado pelas novas plataformas de consumo aos tradicionais canais de distribuição, os mercados internacionais, nomeadamente o chinês, ganharam importância como fonte de receitas para os estúdios americanos. Um filme de acção exporta-se melhor que o desenho cuidado de personagens num especifico contexto americano. Os blockbusters de super-heróis inspirados em comic books são a melhor forma de os estúdios protegerem os investimentos galopantes. Apostas de risco controlável são traduzidas em marcas reconhecíveis, em sequelas e prequelas, e na substituição de super-estrelas por actores menos apelativos, escondidos debaixo de máscaras. As sagas tornam-se complexas e interconectadas, de modo que a audiência não tem de esperar muito tempo para assistir ao desenvolvimento de um determinado aspecto da narrativa. Como Peter Biskind conclui, estas gigantescas cadeias narrativas assemelham-se mais a séries televisivas do que a filmes convencionais. À medida que a diferença entre filmes e séries televisivas se desvanece, reduzindo-se a uma questão de duração, os filmes parecem séries truncadas, enquanto a ficção para televisão obtém as características de filmes longos. 

Tanto os filmes de super-heróis, como os de vampiros e de zombies, sugerem uma cultura apocalíptica e extremista. É com o anúncio do apocalipse que são tomadas e consentidas as medidas mais extremas, como a suspensão do processo democrático, o silenciamento da imprensa ou a prática da tortura. “Democracy Dies in Darkness” não é a tagline de um filme de super-heróis ou apocalíptico, mas o slogan que o prestigiado jornal Washington Post adoptou em 2017. Ainda na década de 1950, quando furiosamente perseguia os focos de comunismo na indústria do cinema, o macarthismo encarregava-se de demonstrar que o poderoso produtor Samuel Goldwyn não tinha razão quando desconsiderou a existência de mensagens nos filmes. São os filmes de género que, à partida, parecem mais inocentes em termos de consciência política, que apresentam as mais poderosas e extremas mensagens, sejam dos campos políticos de direita, centro ou esquerda. Nas décadas do período pós-Segunda Guerra Mundial, estes filmes passaram da margem para o centro da indústria, escalando para o topo das tabelas de orçamentos e de receitas. Como pode o filme de zombies de Jim Jarmusch dialogar com uma paisagem ideológica tão povoada e explosiva?    

Para a encenação do apocalipse, Jim Jarmusch, o autor, declara-se morto numa das lápides do cemitério. Depois, convoca um conjunto impressivo de caras conhecidas para a matança final, como carne para canhão: Bill Murray, Tom Waits, Adam Driver, Chloë Sevigny, Steve Buscemi, RZA, Tilda Swinton, Danny Glover, Larry Fessenden, Rosie Perez ou Selena Gomez, muitos deles colaboradores regulares do realizador. O palco é Centerville, uma pequena cidade do interior, onde todos os habitantes se conhecem e comentam as novidades do quotidiano numa das cafetarias locais. Um dos clientes habituais, Farmer Miller (Steve Buscemi), usa um boné com a inscrição “Make America White Again”, uma referência à extrema direita norte-americana que se inspira no slogan “Make America Great Again” popularizado por Donald Trump. O xerife Cliff Robertson (Bill Murray) e o ajudante Ronnie Peterson (Adam Driver) investigam o desaparecimento de uma galinha pertencente a Farmer Miller, que acusou o eremita Hermit Bob (Tom Waits) pela ocorrência, quando os relógios e os telemóveis deixam de funcionar, os animais de estimação desaparecem ou têm comportamentos agressivos e a noite tarda a cair. Na televisão, uma jornalista (Rosie Perez) anuncia a alteração na rotação da Terra provocada pelo fracturamento hidráulico nas zonas dos Polos. Quando, finalmente, anoitece, dois mortos (Iggy Pop, Sara Driver) emergem da terra no cemitério e dirigem-se à cafetaria para esventrar e degustar as vísceras de dois corpos, terminando com uma boa dose de café, que engolem com satisfação.    

The Dead Don’t Die (Os Mortos Não Morrem, 2019) de Jim Jarmusch

Como as posteriores cenas do filme confirmam, Jim Jarmusch convida-nos para uma viagem, entre a política e a cultura popular, tomando a ironia e a irrisão como guias. A herança de George A. Romero é suficientemente clara, já que Jarmusch a declara quando uma personagem nota que o automóvel, pertencente ao grupo de jovens liderado por Selena Gomez, lhe lembra Romero. Os jovens perguntam quem é Romero, que ao pairar sobre The Dead Don’t Die apela à memória de um público conhecedor da história da sétima arte. Na primeira cena é lançado o mote, quando o automóvel da policia passa junto ao cemitério, rimando com o começo de Night of the Living Dead (A Noite dos Mortos-Vivos, 1968) – alegoria política impulsionada pela Guerra do Vietname e pela contracultura hippie –, em que a bandeira americana demarca o território, esvoaçando sobre as campas. Mais à frente, The Dead Don’t Die convoca Dawn of the Dead (Zombie: A Maldição dos Mortos-Vivos, 1978), uma crítica feroz ao consumismo, com os zombies a invadirem um centro comercial deserto, vagueando pelos corredores, entre a passividade dos manequins e dos lagos artificiais. Uma personagem considera este comportamento resultado do instinto e da memória de como habitualmente agiam, que seria uma parte importante das suas vidas. Em The Dead Don’t Die também os zombies que abandonam o cemitério sofrem uma espécie de humanização, o que matiza a habitual imbecilidade e falta de vontade própria, procurando os saudosos sítios e elementos que lhes poderiam trazer memórias felizes, como a cafetaria, o café ou o vinho Chardonnay, mesmo que continuem a não resistir ao “canibalismo” (teoricamente teriam de estar vivos para serem canibais). Distante de outros exemplos actuais que radicalizam conceitos, em The Dead Don’t Die a morte é apenas a continuação da vida, ambas operando dentro desta relação inquebrável.   

Insistindo no desvanecimento da quarta parede, Jarmusch desafia a alienação do espectador por meio da artificialidade de um divertido exercício reflexivo, reconhecendo o cinema como meio privilegiado de produção cultural e ideológica.

Num pequeno bloco narrativo, com poucos desenvolvimentos mas significativo, Zoe (Selena Gomez) e os seus companheiros de viagem, Jack (Austin Butler) e Zach (Luka Sabbat), param na estação de serviço de Bobby (Caleb Landry Jones) para abastecer a viatura de combustível e comprar “The Dead Don’t Die”, álbum da autoria de Sturgill Simpson, de onde foi retirado o principal tema musical do filme. Seguem para o Moonlight Motel, propriedade de Danny (Larry Fessenden), onde acabarão esventrados sem conhecermos os detalhes. Raramente, Jim Jarmusch usa a elipse ou o fora de campo, não deixando de expor cruamente o exercício da violência. Neste caso, apenas vemos o efeito desse exercício, num último plano em que o filme termina para este grupo de personagens. Por um lado, no uso da elipse, o cinéfilo Jarmusch aproxima-se do poder da sugestão ou do fora de campo dos filmes produzidos por Val Lewton para a RKO Pictures, incluindo um dos melhores exemplos da exploração da mitologia dos zombies durante o período clássico: I Walked with a Zombie (Zombie, 1943) de Jacques Tourneur. Por outro lado, no plano final do grupo, Jarmusch deixa cair a cortina e revela o que as convenções sociais mantiveram longe do olhar até à década de 1960, ou seja a exibição do sangue e do gore, como era entendida no trabalho precursor de Herschell Gordon Lewis. Simbolicamente, a chegada do grupo à pequena cidade do interior, numa colisão entre um espaço urbano, jovem e aventureiro (no pior dos casos, amnésico), e o espaço rural, envelhecido e apegado às tradições, representa a entrada em cena da adolescência urbana em colisão com uma América primitiva de casas adornadas por esculturas de ossos e penas, que Tobe Hooper explorou em The Texas Chain Saw Massacre (Massacre no Texas, 1974).

The Dead Don’t Die (Os Mortos Não Morrem, 2019) de Jim Jarmusch

Um filme que reúne e cola outro material, formando um exército de referências, facilmente se transformaria num produto derivativo na forma de um pastiche que grita falta de criatividade. Jim Jarmusch questiona a originalidade, acreditando que é limitado o número de histórias que se podem contar. No entanto, são ilimitados os modos em que a mesma história pode ser contada. Neste exercício de adaptações, ou variações, em que os materiais originais são suficientemente (re)conhecidos, existe a tentação de estabelecer paralelos com o material recriado, procurando pontos de continuidade ou ruptura. Mesmo construindo uma atmosfera comprometida, o trabalho de decifração do espectador é sabotado por Jarmusch, que coloca as próprias personagens a comentar a narrativa e as suas condições de produção. Para além dos exemplos já mencionados, a certo ponto, as personagens de Bill Murray e Adam Driver referem a familiaridade da canção “The Dead Don’t Die”, emitida pela telefonia do carro, concluindo que é a música que dá o título ao filme. Noutra cena, durante uma viagem de reconhecimento, discutem o que os espera no final do filme. Nem falta uma brincadeira com Adam Driver e a saga Star Wars (Guerra das Estrelas, 1977-2019), onde o actor interpreta a personagem Kylo Ren. Insistindo no desvanecimento da quarta parede, Jarmusch desafia a alienação do espectador por meio da artificialidade de um divertido exercício reflexivo, reconhecendo o cinema como meio privilegiado de produção cultural e ideológica.  

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Carlos Alberto Carrilho

"I took a couple of papier-mâché rocks from the nearby studio, probably leftovers from some sword and sandal flick, then I put them in the middle of the set and covered the ground with smoke and dry ice, and darkened the background. Then I shifted those two rocks here and there and this way I shot the whole film." Mario Bava

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2 Comentários

  • Comprimidos Cinéfilos: Junho | À pala de Walsh diz: Julho 2, 2019 em 9:50 pm

    […] do consumo, tem um alvo muito claro. O meu colega Carlos Alberto Carrilho identifica-o muito bem no seu texto: ele é a América Trump. Essa dimensão flagrantemente política casa com uma certa apatia geral […]

    Inicie a sessão para responder
  • Palatorium walshiano: de 13 de Junho a 31 de Julho | À pala de Walsh diz: Julho 31, 2019 em 9:18 am

    […] but not the least, a desilusão em torno dos novos filmes de Jim Jarmusch e Alex Ross Perry é manifesta – ainda mais do que no anterior Palatorium – e o recém […]

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