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À pala de Walsh
Em Foco, In Memoriam 2

In memoriam: George A. Romero (1940-2017)

De Ricardo Vieira Lisboa · Em Julho 17, 2017

George A. Romero est mort
Et moi j’en veux encore
De ses amoureux
Dans les trains de banlieue

Clio

Morreu George A. Romero e eu quero mais dos seus mortos-vivos! Mas quem foram esses mortos de Romero (e que morto será este Romero que acabou de partir)? O certo é que não foram sempre iguais. Os seus mortos foram primeiramente desculpa, só depois, com todos os outros filmes, se foram transformando em sinopses do medo, da fobia, do tremor da sociedade (e depois figuras-ícone da cultura popular, apropriadas e re-apropriadas nas mais diversas formas). Aquele que foi o grande trunfo do realizador foi, exactamente, saber gerir e moldar a evolução da sua mitologia em torno dos mortos-vivos, percebendo (à segunda tentativa) que “eles são nós“, isto é, os mortos-vivos não são mais do que uma metáfora da humanidade ou, simplesmente, nós não somos mais – leia-se melhores – do que os seres babosos e devoradores de carne.

Geroge A. Romero

Em Night of the Living Dead (A Noite dos Mortos-Vivos, 1968) Romero limitava-se (como se fosse pouco) a reflectir o seu tempo e a sociedade de então dentro da casa (como qualquer bom filme de cerco à la Hawks), não fazendo portanto considerações sobre os monstros que lá estavam fora. Eram apenas monstros, catalisadores para os comportamentos extremados dos que lá estavam dentro – e sim, tudo se opera nesse limiar muito concreto que separa o dentro do fora. Acima de tudo, o que terá interessado a Romero era a atmosfera da luta pelos direitos civis e o racismo, onde o final antevê o assassinato de Martin Luther King, morto pouco depois do final da rodagem –  “I was telling a story and I had a couple of radical ideas and, you know, it’s more of a political statement than it is a film”. A ideia de que o morto-vivo é um de nós (ou nós somos um deles) só surge no filme seguinte da série e, no entanto, parece-me que essa iluminação terá surgido alguns anos antes com o filme The Crazies (1973).

Segundo o próprio Romero, o que hoje se pode ver em The Crazies corresponde apenas às primeiras quatro páginas do argumento original de Paul McCullough. Na ideia inicial não se demorava a câmara sobre a resposta militar nem sobre os sobreviventes nem sobre os refugiados; o que interessava a McCullough era descrever a vida quotidiana das pessoas que, pouco a pouco, ficavam sobre o efeito da arma química que se havia derramado, tornando os intoxicados em dementes violentos – “the whole point was you can’t tell who’s nuts and who’s not in today’s world”. Embora o filme tenha acabado por ser outra coisa muito diferente, o facto é que aí deverá ter-se iniciado qualquer coisa, já que depois de The Crazies, todos os filmes do realizador lidam com esta dúvida entre o indivíduo sano e monstro (ou a latência do monstro que há em todos nós). Não por acaso, é o próprio Romero que diz que foi apenas a partir desse filme que passou a considerar-se um realizador de facto. Deste modo, o remake de Night (escrito por Romero e realizado pelo seu director de efeitos especiais, Tom Savini) termina exactamente com este comentário: quando a protagonista observa uma trupe de rednecks a divertirem-se disparando sobre uns mortos-vivos dependurados [exactamente como no final de Diary of the Dead (Diário dos Mortos, 2007) ou numa das cenas iniciais de Survival of the Dead (2009)], ela comenta: “They’re us. We’re them and they’re us”.

O que Romero também opera nesse remake é aquilo que Dawn of the Dead (Zombie, a Maldição dos Mortos-Vivos, 1978) e Day of the Dead (O Dia dos Mortos, 1985) já corporizavam de forma muito evidente, uma emancipação da mulher proporcional ao tamanho da praga. No original Night, a figura feminina, depois do primeiro ataque, entra em choque apático murmurando apenas alguns gemidos ao longo de todo o filme, sendo incapaz de lidar com a situação; em Dawn, apesar da gravidez, ela impõe-se no microcosmos masculino que se estabelece no centro comercial, enquanto que em Day essa tomada do espaço masculino é total quando os homens bloqueiam perante as tensões do fim do mundo e ela, a mulher, consegue lidar com as circunstâncias melhor do que qualquer um – “This whole fucking unit is collapsing. Everybody except you”. Desta forma, ao reescrever Night mais de 20 anos depois, Romero tem uma figura feminina já cimentada e fortificada.

Mas se é o caso de que os filmes de Romero são muitas vezes manifestos políticos (o referido empoderamento feminino, o racismo de Night, o consumismo estupidificante de Dawn, a política do medo da era Bush em Diary – Romero resumiu isto em “I don’t really care about who the characters are and what they do, I’m much more concerned about getting in some observations underneath it”), também se dá que todos os seus filmes (como já havia referido) a partir da colaboração com McCullough reflectem sobre aquilo que há de animalesco em nós, ou melhor, sobre aquilo que se perde do constrangimento social quando o animal/monstro toma o poder. Note-se que não me refiro apenas aos filmes de zombies, muito pelo contrário: em Martin (1976) encontramos um menino que é incapaz de conter (são uns tremores…) os impulsos que o levam a alimentar-se de sangue humano – o animal vampírico toma conta do ser racional -; em Monkey Shines (Atracção Diabólica, 1988) a animalização é evidente quando um recém paraplégico encontra na ajuda de uma pequena macaca amestrada a salvação para uma vida independente de terceiros mas no processo estabelece uma ligação psíquica com o animal, tomando poder dos movimentos do bicho e ganhando (no reverso) a agressividade dos seres irracionais (cometendo crimes diversos através da dita macaquinha); por sua vez, em The Dark Half (A Face Oculta, 1993) um escritor cria um alter-ego tão poderoso que este ganha vida e comete os crimes que o autor desejava mas nunca seria capaz de concretizar; e por fim, com Bruiser (O Rosto da Vingança, 2000) conhecemos um homem que depois de uma vida a ser esmagado por todos acorda sem face e, como tal, sem nada que o identifique como humano, permitindo-se cometer os actos de vingança que não passavam de divagações. Curiosamente, será interessante perceber que, contra o que se poderia pensar, a animalização nos filmes …of the Dead não se faz nos mortos-vivos, mas sim nos sobreviventes que, deparando-se com o apocalipse, agem de forma irracional.

Como o próprio Romero admitiu, os zombies sempre lhe desenvolveram alguma simpatia e o facto é que, com excepção do primeiro Night, os mortos-vivos são figuras dramáticas. Com Dawn ganham memória e portanto a compreensão de que estão de facto mortos; em Day ganham a aprendizagem e a compaixão (e também a raiva e vingança), tornando-se por isso parte de um contexto social que os repele; e em Land of the Dead (Terra dos Mortos, 2005) ganham a comunicação e a capacidade de transmitir conhecimento e com isso (e com a recusa dos instintos básico, como o medo do afogamento) arrebatam o paraíso dos humanos assassinos. Ou seja, se os vivos caminham para o desespero em cada filme de Romero tornando-se perigosamente impulsivos e irracionais, os mortos-vivos, no decorrer dos (primeiros quatro) filmes da saga, caminham o caminho inverso vencendo os seus medos e conquistando o seu lugar de direito (são poucos os vivos que pretendem partilhar o dia-a-dia com os mortos e acabam sempre condenados pelos companheiros que ainda respiram).

Recordo-me do que escreveu Zizek a propósito da sanita de Psycho (Psico, 1960): “a merda continua a ser um excesso que não se encaixa na nossa realidade, e Lacan tinha razão quando afirmou que passamos de animal a humano a partir do momento em que o animal fica sem saber o que fazer com os seus excrementos, quando estes se tornam um excesso que o incomoda”. Parece-me que o paralelo está à vista, é próprio dos homens não saber lidar com excrementos, entenda-se aqui restos mortais que ganham vida, e como tal só os humanos são alvo (Romero no primeiro filme punha os gouhls a comer insectos e em Survival tudo gira em torno de como podemos ensinar aos mortos a comer outra coisa que não carne humana acabada de chacinar), porque só os humanos têm medo de excrementos. Neste sentido, a sequência final do filme-aos-quadradinhos Creepshow (1982) é particularmente significativa, uma vez que trata de um homem obcecado com a limpeza (numa casa à prova de bicharada rastejante) atacado por uma praga de insectos de tais proporções que se vê engolido no mar de baratas e demais ortópteros. Por este ponto de vista, os zombies, embora excrementos, não fazem mais do que limpar a humanidade dos seus macaquinhos no sótão, isto é, contrariam aquilo que há de mais animalescamente humano: as fobias irracionais.

George A. Romero morreu e eu quero mais dos seus mortos-vivos. O raio do Georges A. Romero deixou trinta órfãos esperando pelo próximo, e não tarda ele se levantará da tumba e lhes comerá as caras.

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Ricardo Vieira Lisboa

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2 Comentários

  • Dino Galeazzi diz: Julho 20, 2017 em 3:47 am

    “[….] onde o final é muito devedor do assassinato de Martin Luther King um ano antes da rodagem […]”

    Olá!
    Muito bom texto. Porém, devo sinalizar um erro na fala mencionada acima.
    Quando Romero fala a respeito de seu “Night of the Living Dead” (1968) no documentário “American Nightmare” (2000), ele diz claramente que a morte de Martin Luther King ocorreu logo após terem rodado o longa. Romero lembra que ele e a sua equipe ficaram sabendo do assassinato pelo rádio, enquanto estavam voltando para casa de carro, na noite de 4 de Abril de 1968. O filme teria sido lançado em Outubro do mesmo ano.

    Inicie a sessão para responder
    • À pala de Walsh diz: Julho 20, 2017 em 2:03 pm

      Obrigado pelo reparo. Foi feita a correcção.

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