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Uma transfiguração poética do “real” – O Movimento das Coisas, de Manuela Serra (1979/1985)

De À pala de Walsh · Em Novembro 29, 2016

Essa navegação é uma história inteiramente humana…

Maurice Blanchot, Le Livre à venir

A obra de Manuela Serra cinzela-se, nas palavras de José Manuel Costa, num “só filme”,[1] O Movimento das Coisas, cujo atribulado processo de produção começa em 1979 e só termina seis anos mais tarde. A propósito da longa-metragem, escrevia João Bénard da Costa nas Folhas da Cinemateca em 2004: “Das muitas múltiplas singularidades do cinema português, este filme e o seu destino são um dos casos mais singulares”.[2]

O Movimento das Coisas, Manuela Serra (1979/1985)

O Movimento das Coisas é, de facto, um filme absolutamente singular na história do cinema português tanto pelo seu devir, quanto pelas seus características temáticas e formais. O filme estreia no Festival de Mannheim, em 1985, onde obtém o Prémio FilmduKaten e é, em seguida, exibido no Festival de Tróia, recebendo então o Prémio AGFA. Apesar do sucesso internacional, não estreia comercialmente em Portugal, onde o seu percurso se resume a exibições esporádicas fora do circuito das salas. O Movimento das Coisas não deixa, porém, de ser uma obra decisiva no panorama do cinema português. É-o, antes de mais, pela sua depuração formal, pela consistência do olhar sobre o mundo rural português em transformação no pós-25 de Abril. Serra representa movimentos e não estados (daí a pertinência do título) — o devir da ruralidade contra toda representação estática da ancestralidade —, escolha que é determinante ao nível do sistema estético do filme e da recorrência de certos motivos. A cineasta não só se afasta do centro para explorar as margens (geográficas, genéricas, formais, mediológicas), como faz da deslocação e da transitoriedade, entrevistas a partir dessa posição de exterioridade, os leitmotive da construção fílmica.

Filmado em Lanheses, no Minho, O Movimento das Coisas inscreve-se na deslocação do cinema português para o campo na década de 70, aproximando-se, sob esse ângulo, das obras de António Reis e Margarida Cordeiro, António Campos e Noémia Delgado, entre outros. O filme insere-se numa outra genealogia, a do cinema das cooperativas. Em 1975/1976, Serra é co-fundadora da Cooperativa Virver. Entre 1976 e 1977, trabalha na produção e assistência de realização e montagem de Bom Povo Português (1980), de Rui Simões, após ter sido assistente de realização e montagem em Deus, Pátria e Autoridade (1975).

Gentofter See, Vilhelm Hammershøi (1903) O Movimento das Coisas, Manuela Serra (1979/1985)

Se as formas do cinema militante estão ausentes de O Movimento das Coisas, este não deixa, porém, de ser um retrato premente da ruralidade portuguesa no período pós-revolucionário e das mudanças (a modernização, a industrialização, a transformação do papel da mulher) que se consolidam durante esse período.

O Movimento das Coisas desloca também as fronteiras entre os sistemas de representação da ficção e do documentário, encontrando na “impureza documental”[3] um dos seus traços constitutivos. O filme afirma uma etnografia poética (a representação das tarefas da vida doméstica rural, universo quase exclusivamente feminino, a ordenha, os trabalhos agrícolas, etc.), à qual não são alheias certas influências pictóricas, como a de Vilhelm Hammershøi. Todavia, O Movimento das Coisas não esconde o seu trabalho de encenação. Inversamente, as posições de câmara, a gestualidade e o olhar das personagens, mecanismos auto-reflexivos, evidenciam esse processo.

O Movimento das Coisas, Manuela Serra (1979/1985)
A cineasta explora sistematicamente os motivos da deslocação e da transitoriedade, o movimento quase imperceptível das coisas: a ondulação das águas do rio, a luz silenciosa de um entardecer, a harmonia singela das lides rurais, as sementes lançadas à terra, as travessias que sem cessar levam de um ponto a outro, imagens sinestésicas que universalizam a experiência sensorial e negam todo princípio de imobilidade. É, contudo, no sistema estético do filme que esses motivos mais se afiançam, demonstrando uma perfeita correlação entre o fundo e a forma. O Movimento das Coisas estrutura-se em torno dos processos de construção e de organização do ponto de vista. Se o primeiro plano do filme, panorâmica sobre as águas do rio e a paisagem envolvente, põe em evidência esse processo, as sistemáticas rotações de câmara e os zooms in e out, em geral não-justificados narrativamente, acentuam o trabalho de construção da perspectiva. Na esteira do cinema de Jorge Sanjinés, a circularidade panorâmica poderia remeter para a formalização de uma concepção do espaço e do tempo especificamente rural e não-moderna. Paralelamente, as constantes transições entre o interior e o exterior, a construção do campo/contra-campo e os enquadramentos (as acções enquadradas através de pontos liminares, essencialmente portas e janelas) abolem as posições de interioridade e de exterioridade. Neste sentido, no filme, não há dentro, nem fora, mas apenas movimentos de passagem, que encontram a sua plena expressão formal na subjectiva indirecta livre de Isabel descendo da camioneta e saindo na praça, transformada em dispositivo de visão.

A montagem reforça o princípio geral de deslocação. Para Bénard da Costa, a montagem de O Movimento das Coisas põe em causa, a cada momento, “essa própria noção, substituindo-a pela noção de colagem”.[4] Numa das sequências finais, a sequência da igreja barroca, a ruptura da continuidade temporal e espacial produzida pela “colagem” de planos da navegação de um barqueiro no rio brumoso afastam definitivamente o filme dos quadros de referência dos sistemas de representação da ficção e do documentário para operar uma transfiguração poética do “real”. Ao problematizar a relação entre realidade e representação, afirmando o princípio de mimêsis transformadora, essa transfiguração constitui porventura a mais importante singularidade de O Movimento das Coisas, permitindo traçar uma linha de continuidade entre a obra de Serra, a filmografia de Reis e Cordeiro e cinemas mais recentes, como os de Pedro Costa e João Vladimiro.

Raquel Schefer[5]

[1] Costa, José Manuel. “Questões do Documentário em Portugal”. Portugal: Um Retrato Cinematográfico / ed. por Nuno Figueiredo et Manuel Guarda. Lisboa: Número-Arte e Cultura, 2004, p.137.

[2]  Bénard da Costa, João, Folhas da Cinemateca, 14 de Dezembro de 2004.

[3] Costa, José Manuel. “Questões do Documentário em Portugal”, op. cit., p. 118.

[4] Bénard da Costa, João, Folhas da Cinemateca, op. cit.

[5] Doutorada em Estudos Cinematográficos e Audiovisuais pela Universidade Sorbonne Nouvelle — Paris 3, Raquel Schefer é professora assistante na Universidade Grenoble Alpes, investigadora, realizadora e programadora.

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