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«Entre Parêntesis», Crónicas 0

True detective

De Vasco Baptista Marques · Em Julho 12, 2015

Não sei se conseguirei explicar-vos (é provável que não, mas paciência) o que para mim é óbvio, nomeadamente: que Where the Sidewalk Ends (O Castigo da Justiça, 1950) é, não apenas o mais belo de todos os Premingers (coisa que, sei-o bem, está longe de ser consensual), não apenas o mais belo de todos os noirs (idem), mas também uma das mais belas obras da história do cinema tout court (idem idem). Como ponto a favor da minha tese, tenho – para começar – o facto do filme nos oferecer a única sequência de genérico (de entre as que conheço) que constitui uma tentativa de tradução visual da lei da gravidade. Nela, o que temos? Um cerrado contrapicado sobre o passeio de uma qualquer rua urbana, onde o título do filme e os nomes dos dois actores principais (Dana Andrews e Gene Tierney) surgem escritos a giz – como quem nos avisa que os corpos que veremos se encontram amarrados ao chão, e que a sua existência é uma coisa frágil, que, como uma inscrição na areia ou uma pegada na neve, corre o risco de ser apagada a todo o instante. Por esta altura, já nos chegaram aos ouvidos as notas do refrão da Street Scene que, em 1931, Alfred Newman compôs para o filme homónimo de King Vidor, e que, aqui, vão sendo assobiadas em off. Transportada pela canção, a câmara seguirá então (num breve travelling horizontal) os passos de um transeunte anónimo, acompanhando-os até ao lugar em que o passeio acaba, leia-se: até ao abismo em ponto pequeno de uma sarjeta, na qual vêm desaguar, levados pelas águas, os detritos da cidade. Fica assim respondida – através de um plano-sequência que é um prodígio de concisão – a questão latente que o título encerra (o passeio, diz-se, termina na sarjeta). Ora, a partir daqui, o filme limitar-se-á a ampliar a escala do seu genérico, percorrendo até final os sucessivos passeios de uma cidade em avançado estado de decomposição: a de Nova Iorque.

Where the Sidewalk Ends (O Castigo da Justiça, 1950) de Otto Preminger

É contra ela que a câmara de Preminger projectará a figura de Mark Dixon (Andrews): um «detective selvagem» que, no decurso de uma vulgar tentativa de detenção, acabará por matar acidentalmente o principal suspeito do homicídio de um milionário, apressando-se depois, e na ausência de testemunhas, a encobrir o seu crime (lançando, para isso, o cadáver ao rio). Mas, não será preciso esperar muito até que o cadáver regresse à tona, arrastando consigo, na sua subida, o fantasma edipiano que assombra o protagonista – que, ficamos então a saber, é filho de um polícia que se deixou corromper pelo mesmo mafioso (Gary Merrill) que ele agora incansavelmente persegue. Por meio do encobrimento do seu crime, Dixon fica assim grudado ao passado, ao pecado original, hereditário, que passara toda a sua carreira a tentar expiar («I didn’t want to end up like Sandy Dixon’s kid. That’s what every hood in New York calls me: Sandy Dixon’s kid. And even in the department, behind my back», dirá ele a páginas tantas).

Trata-se de um passado que Preminger se recusará a vertebrar de modo imediato em imagens (o filme não comporta um único flashback), preferindo antes mostrar-nos como ele ressoa a todo o momento no presente do protagonista, isto é: como os vários cadáveres que ele guarda fechados a sete chaves no armário da sua memória (o do pai, o do suspeito…) o condenam a ser pouco mais do que um zombie insone. Prova disso é o sublime plano-sequência que, em três pinceladas (e de forma puramente visual), nos dá a ver uma das insónias de Dixon, fixando, primeiro, o seu rosto exausto; viajando, depois (num travelling horizontal), até à moldura de uma janela coberta de arame farpado, onde a noite depressa cede o seu lugar ao dia; e regressando, por fim, ao rosto de uma personagem de olhos bem abertos, que, a julgar pelo cinzeiro repleto de beatas que repousa ao seu lado, terá passado a noite a tentar esconder-se por detrás de uma cortina de fumo.

Where the Sidewalk Ends não se limita a ilustrar uma história. Pelo contrário, em virtude da maneira como vai articulando entre si as figuras e o fundo, o drama e o décor, o cineasta acabará por tecer um discreto estudo sobre a diluição do homem moderno no seio de um espaço urbano que se mostra claustrofóbico, disforme e ex-cêntrico.

Com efeito, o que neste quadro mais cativa a atenção da objectiva é a possibilidade de surpreender, em flagrante delito, uma personagem que (como o Raskólnikov do Crime e Castigo de Dostoiévski) se vai deixando consumir em lume brando pelos remorsos, pela memória viva de um crime que, ao que tudo indica, passará impune. Impune, desde logo, porque – graças às manobras de diversão levadas a cabo por Dixon no intuito de ocultar o crime – a polícia cuidará de acusar pelo homicídio o sogro do morto (Tom Tully): um pacato taxista de meia idade que, na noite em causa, se dirigiu ao local do crime para devolver o olho negro com que o genro havia marcado a sua filha Morgan (Tierney). Ao frágil rosto da Morgan de Tierney, Preminger confiará, mutatis mutandis, a mesma tarefa que, em 1945, havia confiado à June Mills (Alice Faye) de Fallen Angel (Anjo ou Demónio?, 1945), a saber: a de catalisar a redenção moral do protagonista, funcionando, por via do seu amor, como o espelho que lhe restitui a imagem daquilo que ele sempre quis ser (just a good cop).

Pois bem: para coreografar este processo de conversão (e a relação passional que o suporta), Preminger lançará mão de um trabalho de realização que prima, antes de mais, pelo seu desejo de transparência, isto é, pela sua terminante recusa de introduzir qualquer tipo de efeito decorativo entre o espectador e as personagens («detesto os cineastas que trabalham para o efeito. […] A melhor mise en scène é aquela na qual não se repara», afirmou o autor na entrevista que, em Fevereiro de 1962, deu à Présence du Cinéma). Na verdade, aqui, Preminger parece esconder-se deliberadamente atrás das personagens, de modo a permitir que atentemos mais nelas do que nele, menos na escala dos planos, nos movimentos de câmara e na banda-sonora não-diegética (que, diga-se en passant, são de uma precisão a toda a prova) do que não figuras vivas que eles devem simplesmente servir.

Não se julgue porém que, em Where the Sidewalk Ends, Preminger se limita a ilustrar uma história. Pelo contrário, em virtude da maneira (sempre orgânica) como vai articulando entre si as figuras e o fundo, o drama e o décor, o cineasta acabará por tecer – em filigrana – um discreto estudo sobre a diluição do homem moderno no seio de um espaço urbano que se mostra claustrofóbico (porque destituído de ponto de fuga), disforme (porque destituído de limites definidos) e ex-cêntrico (porque destituído de pontos de referência).

Já antes o dissemos: neste contexto, esse espaço assume os contornos da Nova Iorque do início da década de 50 – espécie de esquálido e sobrelotado formigueiro, onde os corpos se confundem no seu movimento uniforme, onde as vozes se perdem no ruído de fundo gerado pela multidão, e cuja presença invade a vida privada das personagens (espreitando, a todo o instante, pelas janelas das suas casas). Longínqua antecessora do território esquizofrénico que, cerca de vinte e cinco anos mais tarde, Scorsese haveria de projectar no seu Taxi Driver (1976), a Nova Iorque do filme de Preminger constitui, sobretudo, um lugar de desintegração, cujo ritmo frenético parece impedir as personagens de estabelecerem relações estáveis e de se fixarem num espaço próprio (só numa das últimas sequências entraremos, por fim, no acanhado apartamento do protagonista).

Quanto ao regime horário que domina esta metrópole, esse (como é bom de ver), será o da noite – noite que, no film noir como no romantismo alemão, representa o momento do esbatimento e da interpenetração das formas, da insurreição dos fantasmas recalcados pela consciência diurna e da coincidência dos opostos. No caso vertente: a lei e o crime (indissociavelmente reunidos na figura de Dixon, que se autodescreve como um «half cop, half killer»), o presente e o passado (unificados pelos remorsos do protagonista), mas, também, a luz e as trevas. De facto, um dos aspectos mais notáveis do filme é o modo como a fotografia a preto e branco de Joseph LaShelle (que colaborara com Preminger em Laura, Fallen Angel e The Fan) concebe a sua própria versão da «noite americana», semeando nos planos pequenos focos de luz artificial (os néons, as luzes das pontes, dos prédios…), num constante efeito de chiaroscuro, que, iluminando as trevas, as tornam visualmente legíveis.

Posto isto, que fique claro: o mais intenso dos focos de luz que vão alumiando a noite de Dixon é, sem dúvida alguma, o rosto da Morgan de Tierney – espécie de farol permanente que, sem o saber, haverá de guiar um «anjo caído» até à sua redenção. Não se estranhe pois que, na última sequência do filme (quando já nenhum vestígio do seu crime subsiste por apagar), a presença de Morgan pareça ser quanto baste para que Dixon decida entregar-se de livre vontade ao «castigo da justiça», despedindo-se – num gesto de uma força imensa, que só a certeza do amor poderia ter motivado – da impunidade que o futuro lhe promete.

– «You mean you’ll give Sandy Dixon’s kid another chance?».

– «Every chance in the world».

– «That’s enough to live for. So long, Morgan».

– «So long, darling».

Quod erat demonstrandum (ou, pelo menos, assim o esperamos).

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Vasco Baptista Marques

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