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À pala de Walsh
Constelações Fílmicas, Crónicas 1

Os Verdes Anos: A valsa do adeus

De Luiz Soares Júnior · Em Junho 24, 2015

“Na vida tardia, vemos as coisas sob um prisma pragmático, compartilhado por nossos contemporâneos; mas a adolescência é o único lugar onde realmente aprendemos alguma coisa” – Marcel Proust in À sombra das raparigas em flor

“Enfin, si tu détruis/ Que ce soit avec des outils/ Nuptiaux” – René Char

Os Verdes Anos (1963) é um poema elegíaco sobre um espaço impossível: o da reconciliação amorosa, do Era uma vez prometido e enfim realizado. Como L’Eclisse (O Eclipse, 1962), Hiroshima mon amour (Hiroshima, Meu Amor, 1959), o casal de Os Verdes Anos se extravia, se busca e volta a perder-se, e no itinerário desta flânerie eterna afirma-se uma estranha forma de resistência ao futuro – onde nem eu nem tu existiremos, onde os sonhos irrealizados voltarão para nos assombrar, onde tudo será fantasma e equívoco. Ao matar a noiva, Júlio eterniza o instante grato, a plenitude que a duração fatalmente castraria, e lhe oferece uma prova de amor em negativo: hic et nunc.

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Mas é no movimento centrífugo que o filme se constrói, é encaminhando-se para um desiludido futuro e para a espada de Dâmocles do pretérito que ele delineia sua trajetória; nestas vistas gerais e planos médios, é a Cidade que os contempla afastar-se, reunir-se brevemente numa alameda, e finalmente perder-se na profundidade de campo do mundo indiferente. Cada sequência do filme consiste na exploração ativa de um cenário, tentativa de integração ou desvelamento da pedra e da viração em um conjunto significativo, onde o afeto possa materializar-se, inscrever-se como aqueles graffiti agonísticos que foi tudo o que nos deixaram os habitantes de Pompéia; mas Rocha, embora trabalhe com um dispositivo clássico (o espaço, em todas as suas manifestações), é um modernista: o círculo jamais vai se completar, a errância e o fragmento permanecerão erráticos e fragmentários; as vinhetas de encontros esporádicos e gestos recalcitrantes de Os Verdes Anos deixam-nos sempre pelo meio do caminho, e a quota maior de presença com que seus personagens nos presenteiam resumem-se a estes gestos magníficos e avaros de completude, que só o fora de campo da memória e do imaginário podem quimericamente prolongar: as mãos que se lançam para pegar a blusa sobre o rio, os lances “elípticos” da briga com o tio no bar, os devires flutuantes dos intermináveis passeios – onde a Cidade, em um e outro movimento, se deixa incrustar figurativamente pelas bordas do quadro e pelas hesitações do casal…

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A Cidade é que os vê passar, modulando o Bildungsroman citadino de Júlio em um mosaico de gestos únicos, que não chegam a lugar nenhum, mas que destilam um mundo contemplado pela primeira vez; é justamente pela sua incompletude que se tornam inolvidáveis, e saturam a memória como um luto de que não ouso dizer o nome: ao permanecerem fragmentários e erráticos, não se deixam eclipsar pelos fins, e traduzem com percuciência a intuição de Oliveira, segundo a qual o “cinema é uma série de signos magníficos, saturados pela luz de sua ausência de explicação”; e Deus sabe o quanto esta talvez seja uma arte onde a superfície dos gestos acaba por escavar uma profundidade imaginária, de que o espectador é a foz, mas também o celebrante de um rito misteriosamente dúbio, entre a carne entrevista na tela e o cache espectral que a corteja (corrói?)… Os Verdes Anos acaricia esta possível Canaã, mas apenas para vê-la desvencilhar-se da carícia com uma insolência malsã: que a Cidade venha um dia a acolher seus habitantes frágeis e virgens de experiência, que o amor se estabilize e frutifique, que os caminhos se reconheçam numa iniludível reta… mas se a ilusão utópica do reconhecimento e da reconciliação são o alimento almejado, o que nos é dado a ver é um patchwork de extravios e nômades gestos, um entrecruzamento de lances, um devir que jamais chega a conhecer sua própria Origem e cortejar seu Fim. Os Verdes Anos é um filme que não narra, mas descreve esta impossível quête pelo Paraíso perdido da intimidade cariciosa e da Cidade reconquistada; pois os cenários da Cidade e os gestos dos enamorados nunca se ajustam ou acumpliciam exatamente: a Cidade é grande demais para acolher momentos o romanesco casual que se infiltra em suas alamedas; a sua temporalidade de vilegiatura e crônica hebdomadária jamais chegará a abraçar, em seu arcabouço amplo e ressoante, os élans tímidos dos enamorados. Os Verdes Anos, pelo uso do décor vastamente sempiterno e pela duração demasiada das sequências, é o filme do décalage, da impossível subordinação da subjetividade ao meio: Nogli me tangere. Daí a errância como método fenomenológico de realizar um estudo de caracteres: estes jamais vão se achar, sob nenhum instante ou circunstância chez soi…

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Como em Zurlini e Antonioni, a arquitetura (devidamente modulada pela luz, herança expressionista jamais totalmente exorcizada) é um índex de alienação entre o homem e sua situação no plano: entre o que o cerca, entre os homens e as mulheres, entre o virtual aceno e o atual desencontro…se a onipresença da bela valsa do adeus que lhe dá o nome e a flânerie ensimesmada pela Lisboa ensolarada nos sugerem um diapasão lírico para a alienação, talvez seja melhor vermos aí um espinho de ironia trágica, que a história só virá confirmar. Os passos, os olhares, as mãos, tudo ultrapassa ou se estende para além do cenário onde se passa; os gestos são tíbios e desarticulados- nunca à altura e na devida textura da imensidão onde se desenrolam… mesmo quando estritamente privados, se entrechocam contra a impossibilidade de existir plenamente, e soçobram em seu próprio vácuo: a dança do casal, carcomida pelo chiaroscuro da sala: mal se vêem, e talvez enlacem outros corpos. Ou Isabel Ruth, travestindo-se de patroa para o namorado, no quarto da patroa: em um momento de mortificação, ela finalmente se vê ao espelho, e a frontalidade vira um catalisador de Revelação; jamais sua pessoa vai coincidir, ajustar-se ou estreitar-se de forma justa àquelas roupas, àquela casa senhorial, jamais chegarão lá (nem em si mesmos; mas a inadequação existencial precisa sempre, no grande cinema, aparecer na matéria, ou entre as matérias, no interstício de sua colisão ou no intervalo de sua cadência: brusca elipse do contracampo, faux-raccord).Filme do pretérito imperfeito- este, que nunca cessa de refluir e extravasar sua insuturável chaga, e retorna caudaloso sobre nossas cabeças; mas também do futuro do pretérito: este futuro que nunca advirá propriamente, pois não hauriu as forças devidas ( no devido tempo presente) para seguir pujante, e emaranhou-se definitivamente nas cavidades do passado. Filme ferido de morte pelo ainda-não e pelo Nunca-mais, Os Verdes Anos é uma égloga urbana- pois o espaço com que dialogam os personagens (e églogas são recitativos com a paisagem) é um espaço exilado, antonioniano, impossivelmente on, alienado de seus fins, condenado ao esquadrinhamento contínuo e regular de suas divisas; e estas consistem numa rotação circular, agrilhoada à motricidade de seu próprio eixo. Se as sequências não se escalonam com precisão matemática, se tudo se evanesce episodicamente, se a vinheta aqui é o leitmotif, é porque o destino desses jovens é buscar-se para ainda mais lancinantemente perder-se; e o filme com eles, no seu rastro arfante e desconsolado. Poucos filmes conseguiram exprimir, por meios geométrica e arquiteturalmente límpidos (fulgurância do plano-esquadro!) as agruras do Angst que consiste em habitar um lugar que jamais será seu, encontrar alguém fugidiamente e perdê-lo na próxima alameda: a existência em Os Verdes Anos é o melancólico refúgio de exilados, que habitam sempre circuitos intermitentes, descontínuos, intersticiais; nunca plenamente ali (Da-sein), jamais totalmente presentes. Grande parte da impressão memorável que o filme suscita consiste em evocar por intercessão do uso de técnicas tão solidamente carnais, de entalhadura clássica (o espaço, o plano sequência) vivências que estão destinadas a permanecerem no limiar fenomenológico e existencial da vida.

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Na bela sequência final, as andanças de Júlio e Ilda conhecem finalmente um termo: a fixidez iconográfica deste découpage bressoniano (o efeito antes da causa), onde o homem se encontra literalmente encurralado pelos carros na avenida. Se até então acessáramos o corpo plano e frontal dos personagens, agora o que nos resta são estes fulgurantes e inteiriçados planos (o garçon, a vitrine do bar, a faca) onde deságuam a alienação, o desespero, a errância acumulados ao longo dos elegíacos 90 minutos: a Primeira vez, a última… nesta hemiplegia do plano enfim fixado pelo trauma do crime, o refoulé do desamparo que percorrera Os Verdes Anos como o seu basso contínuo secreto, se ativa, e refigura o mundo de outrora em um presente cristalizado pelo hieratismo trágico: a Primeira e a última vez.

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Luiz Soares Júnior

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1 Comentário

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    […] é filmado exactamente no mesmo espaço, e nada no filme te remete para Os Verdes Anos (1963) [1] [2] [3]. Ou vês o Black and White (2000) do [Daniel] Blaufuks e também não tem nada que ver. A […]

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