Por estes dias a 8ª edição d’ A Festa do Cinema Italiano, a juntar-se à reposição em cópias digitais restauradas de parte da obra de Roberto Rossellini, tem contribuído para uma certa “italianização” das salas portuguesas. Talvez convenha não ser demasiado apressado e extrair de tal facto um risorgimento do dito cinema que, com muito poucas excepções (Nanni Moretti e pouco mais), não tem conseguido exceder-se ou libertar-se de um passado gigante, dourado, que nem vale a pena descrever de tão elefante na sala que ainda é. Um bom exemplo talvez seja a presença assombrada do cinema (das personagens) de Fellini no “novo cinema italiano” que por aí vai ganhando prémios e distinções. Essa mesma presença de Fellini foi também o que levou o seu amigo e colaborador, o realizador Ettore Scola, a realizar Che strano chiamarsi Federico (Que Estranho Chamar-se Federico, 2013), assinalando os vinte anos do desaparecimento do realizador de La Dolce Vitta (A Doce Vida, 1960).
Como explica Scola, para Fellini a vida era uma festa constante e era para se estar sempre a celebrar. Para essa festa, Scola quer convocar o gesto felliniano, adicionando o registo do simples retrato de homenagem à reconstituição dramática, à lembrança pessoal, à alternância branco e preto/cor, à circulação entre o palco e a entranhas da Cinecittá (espaço em que Fellini concebeu a quase totalidade da sua obra).
Com este todo pode dizer-se que Scola, a uns meses de ele próprio completar 85 anos, homenageou o seu amigo e ídolo, com um filme do qual não se poderá dizer que seja “feio, porco e mau” mas precisamente o seu contrário: “bonito, limpo e bom”.
Em algumas cenas, Ettore e Fellini guiam pelas ruas de Roma buscando inspiração em encontros fortuitos, ora com prostitutas, ora com pintores de rua, a quem davam boleia (isto visto aos olhos de hoje é bastante sinistro, não sei como era na altura). No encontro com um pintor, este fala da dificuldade de pintar as mãos, pois que saem sempre mal. São precisamente as mãos de Ettore Scola, toldadas pela nostagia da recordação do amigo, aquilo que impede que se tenha por Che strano chiamarsi Federico mais do que simpatia.
Recordemos então, sem demasiada severidade, os inícios de Fellini, e uns anos mais tarde, de Scola, no jornal de humor Marc’Aurelio. Em nota diga-se que todo o ambiente da altura em torno da troupe de cartoonistas cheios de sonhos e ideias e, em muitos casos, pouca acção, não admira que tivesse inspirado a Fellini a ajudar na “dispersão” nacional de Paisà (1946) de Rossellini e, anos mais tarde, do seu I Vitelloni (Os Inúteis, 1953). Recordemos também Orson Welles em La Ricotta (1963) a “fazer” de Pasolini e a dizer de Fellini que egli danza, egli danza. Recordemos ainda a rodagem de C’eravamo tanto amati (Tão amigos que nós éramos, 1974) em que Scola pediu a Fellini e a Mastroianni para fazerem deles próprios. Recordemos contudo, e por fim, através das imagens que Scola nos dá dos filmes do seu amigo, que a mão de Fellini nunca foi tão doce, explicável, como aparenta mostrar-se em Che strano chiamarsi Federico.
Fellini ninguém tinha mão nele. E é isso que nele tudo nos explica e nada nos esclarece.