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À pala de Walsh
Loong Boonmee Raleuk Chat (2010) de Apichatpong Weerasethakul
Críticas, Noutras Salas 1

Loong Boonmee Raleuk Chat (2010) de Apichatpong Weerasethakul

De João Araújo · Em Julho 15, 2014

Facing the jungle, the hills and vales, my past lives as an animal and other beings rise up before me.

Se existem filmes que parecem ser imaginados a partir de uma imagem, Loong Boonmee Raleuk Chat (O Tio Boonmee que se Lembra das Suas Vidas Anteriores, 2010) é um deles, tal é a força da imagem central do filme (em baixo), um longo abraço-despedida entre um casal, com seu significado maior que o filme. O que vem antes, assim como o que surge depois, é um complemento expandido e construído a partir dessa imagem-quadro, que é capaz de suspender o tempo: é isto tudo que está em causa, e é isto a solução para tudo.

Loong Boonmee Raleuk Chat continua a evolução de Apichatpong Weerasethakul em termos temáticos e formais, e é um aperfeiçoamento das escolhas estilísticas usadas para mimetizar os sentimentos aludidos durante o filme. Como nos seus filmes anteriores, o tailandês tem um método preferido: começa por desenvolver algo razoavelmente normal, mas tão aprimoradamente filmado que se afirma dessa forma pela sua beleza singular; depois, de repente, algo exógeno acontece para perturbar a calma até aí dominante. Com Sud pralad (Febre Tropical, 2004), Apichatpong apresentou-se como uma mistura exótica entre o simbolismo de David Lynch e o romantismo trágico de Wong Kar-Wai. Uma das obras mais fracturantes da década passada, era um brutal pas de deux, entre as duas personagens principais e entre o realizador e o espectador. Era também uma sublime transformação lenta, de um sonho num pesadelo, sobre um romance idílico, numa Tailândia que parece aceitar com candura uma relação homossexual, embalada por estrelas de karaoke e neons dourados, da mesma forma que os dois protagonistas se aceitam um ao outro. Mas um movimento rápido, um violento mas breve desejo sexual reprimido até aí leva o filme a acabar a relação num ataque de culpa, condenando um dos protagonistas, sob o pretexto do serviço militar, a uma floresta repleta de demónios interiores. O filme exila-se aí, na selva, e só conseguimos desejar que não volte a sair.

Sang sattawat (Síndromas e Um Século, 2006) é o seu filme seguinte, muito menos radical. A transformação-perturbação que acontece a meio do filme é muito mais subtil e contida. Aqui, Apichatpong preocupa-se em embalar o espectador ao ritmo de ciclos budistas de reincarnação que moldam o filme. A aplicação estilística do tema assemelha-se a uma meditação sobre a tradição e dá origem a lentas repetições, possibilidades que vão confortando o espectador, preparando-o para aceitar a natural ordem cíclica. Nada é urgente, nada é inevitável logo inaceitável, tudo se repete na infinidade de destinos tangentes. Somos cuidados com a serenidade de um tempo que apenas passa por todos e não se esgota. O tempo não é uma ameaça, apenas uma outra etapa.

Em Loong Boonmee Raleuk Chat isso é algo que não acontece, desde logo porque o tempo é decrescente e há a ameaça da memória que se esvanece. É a história de um homem que está a morrer, que é visitado pelas memórias de vidas anteriores e, mais importante, que procura agarrar-se a memórias que desaparecem, antes de serem esquecidas de novo. Talvez por isso, Apichatpong torna-se mais impaciente, introduz a perturbação onírica muito mais cedo. Não que essa impaciência perturbe o modo como descobrimos a história, ou que interfira com o tempo que o realizador demora a expandir a sua visão. Os longos planos e os enquadramentos estáticos que ilustram as primeiras sequências, que nos transportam para o local remoto onde se desenrolará o filme, são a forma do realizador dar tempo ao espectador para se acomodar ao espaço que vai habitar. O som é também parte essencial pela forma como inunda lentamente a tela e reclama a descoberta do naturalismo com que Apichatpong filma uma natureza que invade. Boonmee, a personagem condenada a adiar a morte de diálise em diálise, numa luta perdida, é amaldiçoado com visões das suas vidas anteriores. Amaldiçoado porque é uma memória proibida, que não deveria ser possível, que vai perturbar a calma com que se resignou ao seu destino, porque para ele a morte é inevitável mas não é um fim, antes um recomeço. No fim da primeira sequência do filme, no escuro da selva, uma figura misteriosa destaca-se da escuridão num olhar hipnotizante e a sua presença fica por explicar. Pouco depois, essa figura volta a aparecer como uma de duas entidades que visitam Boonmee num jantar em sua casa, mesa onde se vai expor a mitologia que vai servir o filme, que vai permitir a Apichatpong expandir a sua metáfora.

As duas entidades são a mulher, falecida, que regressa como um fantasma que se materializa lentamente à frente de Boonmee, e o seu filho desaparecido, dado como morto, que regressa como um animal-monstro, revelado ao sair da escuridão. A aparição de ambos deixa Boonmee feliz, pelas recordações que lhe trazem, mas carregam uma mensagem simbólica. O filho revela que se transformou numa criatura condenada a pagar o peso dos seus pecados, num estado parado, impedido de reincarnar na salvação de uma vida diferente, porque o seu karma não o permite. É o peso do passado perdido. A mulher aparece para confortar Boonmee na hora próxima da sua morte, mas também para lhe mostrar que entretanto o espírito dela atingiu o estado de nirvana, logo que ela não voltará a reencarnar. Esta última constatação é o início do fim para Boonmee, embora não seja imediata a sua resolução (com Apichatpong nunca é). Boonmee acredita que ainda não estará pronto para o mesmo estado de graça que a sua mulher atingiu – é recompensa só para quem teve uma boa vida. Boonmee sabe que não é o seu caso, que “matou demasiados comunistas”, envolvido nas operações militares no norte da Tailândia, que não fez o suficiente para se redimir.

A mulher apresenta-se não só para ajudar Boonmee a recordar as suas vidas anteriores, mas também para uma lenta despedida. É um longo abraço que é estendido ao longo do tempo do filme até culminar na tal imagem, súmula de toda uma relação no seu adeus – primeiro grande momento do filme. Boonmee sabe que quando morrer não terá a memória das vidas passadas, sabe que perderá não só a possibilidade de encontrar o seu amor, mas também qualquer memória de que ele existiu. A tragédia é a aparição da mulher de Boonmee ajudá-lo não só a reviver memórias anteriores, a recordar possibilidades antigas em que as suas vidas se foram acompanhando em repetição durante tanto tempo, mas também ajudá-lo a compreender, na altura em que essas memórias se tornam mais valiosas, quão esguias elas são, e a falta de tempo lhe resta. Toda essa angústia é resumida por Boonmee quando diz à mulher durante esse abraço: “não sei como te encontrar depois de morrer”.

I believed in reincarnation for a certain period—while making this film. And afterwards, I stopped. It’s such a fascinating idea, and it’s linked to cinema as well, through the idea of memory, which is something I explore in all my movies. It’s something that can tell a lot about our lives—if we can remember our past lives. – Apichatpong Weerasethakul

A calma da aceitação da morte e a serenidade da espera pela próxima vida extinguem-se lentamente em Boonmee, à medida que cresce o sentimento de perda, como uma azia que arde. É o segundo momento forte de Apichatpong no filme, quando substitui a imperturbabilidade dos planos estáticos e contemplativos por uma sequência de câmara assustada. O medo ocupa o campo de visão, à medida que Boonmee se desloca em estado terminal para uma gruta, numa viagem simbólica. Apichatpong simetriza as imagens em perfeita sintonia com os sentimentos. É nesta descida, ao local onde Boonmee irá morrer, que a incerteza da espera pela morte dá lugar à sua inevitabilidade e que a certeza da renovação dá lugar à incerteza do destino. Com os sussurros misteriosos e angustiantes que se ouvem mas não se localizam, apaga-se a luz que até aí iluminava o filme e o escuro reduz efectivamente o espaço disponível, e enclausura Boonmee na dúvida. É como se Apichatpong reflectisse na história as suas próprias dúvidas e de repente a questão fosse não apenas o abandono da memória, mas o aparecimento da própria mortalidade. É o próprio Homem que fica em causa. A aceitação da mortalidade nestes termos arrasta consigo a inutilidade da vida, a insignificância individual (“mas afinal o universo nem sabe que existimos, o universo não saberá que Homero escreveu a Odisseia” – Saramago) e por isso se vê o resto do universo no céu daquela gruta. Naquela cave da sua morte onde brilham estrelas impossíveis no tecto, a tristeza que desagua no filme é o sangue que Boonme derrama à medida que a vida escoa para fora dele. É o acto final desta história, a tragédia fica implantada e Apichatpong livre para concluir o filme com sequências puramente metafóricas, sobre tentativas de reter a memória e o tempo. Uma vez estabelecida a ideia de mortalidade, a seguir confronta-se o conceito de memória. Tal como Tarkovsky o faz em Zerkalo (O Espelho, 1975), onde usa um labirinto de recordações, quer delirantes quer exactas, para criar um mural a que vamos voltando para rever os pequenos fragmentos que o compõem, à procura de dar significado ao todo a partir dessas pequenas partes. Tarkovsky explora a fronteira entre o que fica para trás e a delimitação a que a vida é confinada, a dificuldade em esquecer o efémero e a temporalidade do que queremos reter. Já Antonioni questionava, com Blow-Up (História de Um Fotógrafo, 1966), o valor e a verdade da imagem capturada, até chegar à derrota assumida na incapacidade de capturar o passado, e ao romantismo dessa futilidade.

A sequência na gruta é encaixada entre outras duas mais simbólicas. Primeiro, um sonho febril, alucinação do que poderia ter sido um encontro anterior entre Boonmee e a sua mulher, é a representação desfocada do passado – a famosa cena do peixe falante. Depois, e mais importante, outro sonho, contado através de fotografias, polaroids do tempo. Uma visão do que poderia ser o futuro, mas acima de tudo uma divagação sobre a tentativa de agarrar imagens como memórias, sobre a percepção humana de que não conseguiremos repetir memórias ou igualá-las, e a “maldição” de que estarão sempre presentes. São como um vislumbre dos pequenos momentos que já passaram, perfeitos mas fugazes – um fim de tarde na relva do jardim preferido ou um pequeno-almoço partilhado – entre restos de dias vulgares e a consciência dessa lembrança, que torna os dias ainda mais vulgares. Ao deambular pela noção de memórias, da impossibilidade de segurar o que é demasiado efémero, paralelo à consciência da sua existência, Loong Boonmee Raleuk Chat não é só sobre recordar essa perda, mas também sobre tudo o que não vivemos, sobre todas as possibilidades ultrapassadas, sobre a solidão da memória, sobre a vida fugaz.

É com essa ideia que abordamos as imagens finais do filme, em que o monge se despoja das suas vestes tradicionais e se divide em dois. Vem à memória a primeira sequência do filme, onde um búfalo se solta das suas amarras e deambula pela floresta durante largos momentos, para depois se deixar capturar e regressar calmamente ao cativeiro. Terá esquecido a razão por que tentou fugir, ou terá esquecido o significado da liberdade? Será a libertação o que o monge procura, ou será incapaz de escapar ao seu cativeiro? Afinal ao abandonar o escapismo do filme e o seu misticismo, voltamos nós à realidade. E afinal, o filme lembra-nos o perigo de nos anularmos, de nos esquecermos.

Loong Boonmee Raleuk Chat será exibido dia 17 de Julho pelas 22h no Cinema Passos Manuel no Porto, pela associação Milímetro

2010'sAndrei TarkovskiApichatpong WeerasethakulDavid LynchMichelangelo AntonioniWong Kar-wai
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João Araújo

"I don't think the film has a grammar. I don't think film has but one form. If a good film results, then that film has created its own grammar" Yasujiro Ozu in "Ozu and The Poetics of Cinema", David Bordwell

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1 Comentário

  • Filipe de Lisboa diz: Julho 18, 2014 em 4:34 pm

    O À Pala deve andar com falta de colaboradores…

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