Originalidade, a quanto obrigas. A voz interior a falar e o eco continua dentro de nós dias depois de termos descoberto Vic Flo ont vu un ours (Vic Flo Viram Um Urso, 2013). O filme é constituído por partes equitativamente distribuídas de distanciamento, estranheza e ironia. Nada contra, no conceito. A sua tradução para película de 35mm é que resulta num objecto que constantemente chama a atenção para a sua suposta originalidade. A afirmação da autoria é cada vez mais a obsessiva busca pela diferença no gesto, em vez da partilha de algo que percebemos vir de qualquer coisa de vivido, sendo deveras escorregadia a aplicação hoje em dia de uma ideia mais ou menos consensual de realismo ao cinema. Ou então é como se cada filme tivesse o poder de gerar as condições do seu próprio realismo. Fundamentemos um pouco melhor. A justificação para o final macabro de Vic Flo ont vu un ours pode vir da explicação dada por Jackie às duas vítimas do seu plano de vingança, quando diz ser comum aos caminhantes daquelas paragens (o Canadá interior francófono) ficarem presos em armadilhas que se destinam à captura de ursos, o que até pode estar ancorado num qualquer fait divers de que Denis Côté tenha tido conhecimento, e que pudesse inspirar a história do filme, que assim se dirigiria para esta conclusão, o que a juntar ao título escolhido reforça o tom de ironia a que aludimos.
Mas o resto são os outros 90% de filme, a sua galeria de tipos físicos todos muito particulares e crus, a sua história de violência deixada sempre em plano secundário até que com brutalidade se torna explícita, os diálogos proferidos quase sem cambiantes emocionais, aliado à rigidez dos corpos e à sua disposição algo geométrica nos enquadramentos que faz pensar no cinema de Hal Hartley: no cinema raro se ganha, muitas vezes se perde, e mais ainda se recicla. Denis Côté tem filmografia em conjunto de títulos assinalável, de que só conhecemos este filme, pelo que qualquer tentativa de aproximação é impossível. Teve honras de retrospectiva na Cinemateca Portuguesa há relativamente pouco tempo. Foi agraciado com o mesmo prémio recebido por Miguel Gomes no Festival de Berlim – o Alfred Bauer, para a inovação no modo de narrar com sons e imagens –, um ano depois de Tabu (2012), só que ao contrário do que se verificava com o caso português, grande parte da originalidade que nele encontrámos nos parece forçada. Um gesto demasiado consciente dos seus efeitos e que, atesta o reconhecimento, tem surtido efeito. A avaliar unicamente por este filme, Denis Côté perfila-se para integrar a galeria dos cineastas cerebrais para quem esta prática se joga num território onde empatia e crueldade mutuamente se excluem. O gesto define-os, são artistas, e o gesto é tudo.