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“M” (1951) de Joseph Losey

De Luís Mendonça · Em Junho 4, 2013

Joseph Losey apelidou-o de “dead picture”, não pelas suas qualidades estéticas estarem muito naturalmente aquém do original de Fritz Lang mas, estou em crer, por uma outra ordem de razões. Losey partiu para o projecto de um remake da obra-prima intemporal M (Matou, 1931) por precisar de dinheiro e, por isso, sem grande entusiasmo. Contudo, reconhecendo o valor das interpretações e de alguns planos do filme, acabou por confessar a sua frustração pelo facto do seu “M” (Matou, 1951) ter sido censurado em vários estados norte-americanos, ficando assim impedido de ser visto e até criticado; logo, impedido de ter “uma vida”.

As aspas que decido colocar no título da versão de Losey seguem a formulação gráfica do lettering do cartaz do filme e, pese embora sejam descartadas nos créditos iniciais, são reveladoras do que se propõe aqui: uma citação. Não citar um universo, porque Lang é diferente e continuará a ser (mesmo depois deste texto, como é óbvio) muito diferente de Losey, mas citar como forma (quase judicial) de convocação de uma letra e de tudo o que de mais imediato vem atrás ou vai à frente, desde logo o seu significado (“Murderer” em inglês, “Mörder” em alemão). A qualquer cinéfilo que se preze, esse significado engendra logo uma imagem: a silhueta de um homem “à caça” de uma menina que brinca na rua, “alheada do mundo”, isto é, acreditando serenamente na sua segurança e na boa-fé dos adultos, de todos os adultos. A primeira vítima visível (nos dois filmes) é uma criança que dribla desajeitada e despreocupadamente uma pequena bola, ela não corre, antes saltita acompanhando o movimento desse símbolo, esférico e leve, do seu mundo. É ele que vai ruir poucos minutos depois, quando vemos a bola abandonada à sua sorte, órfã da menina que lhe dava vida. Morreu a brincadeira, morreu a criança, morreu o mundo.

As primeiras imagens de M, para todos os espectadores do mundo que viram esta marca (literalmente, uma popular “marca” com a mão e a letra “M” no casaco do assassino) que é um marco na história do cinema, significam isso e muito mais, e o seu espaço soberano pertence, e pertencerá sempre, a Lang. Por isso, o filme de Losey realizado exactamente vinte anos depois é publicitado “entre aspas”, golpe de marketing furado – a hesitação nunca é boa na hora de vender – mas autoralmente exacto. O enredo será praticamente o mesmo e vários planos – mais que o próprio Losey reconhece –  são replicados. Todavia, o tempo e a paisagem mudam (da Alemanha de Weimar para a L.A. do pós-guerra), tal como muda, fundamentalmente, o discurso ou a voz que decifra a moralidade desta história que faz tremer os três principais alicerces da sociedade ocidental: o poder político, a justiça e a opinião pública.

Losey é o primeiro a afirmar, na antológica entrevista de vida que deu a Michel Ciment, no livro Conversations with Losey, que pretendia sublinhar que o assassino do seu filme não era um “monstro”, mas uma pessoa doente que deveria ser tratada e julgada por médicos e juízes. Dá ainda a entender que essa não era a visão de Lang. De facto, no original, Lang põe em cena a sua descrença profunda no grau de efectividade das instituições, mostrando-nos os mais vis criminosos da cidade a montarem, com audácia, um tribunal improvisado que tem como júri uma turba em fúria que, muito justamente, quer sangue e vingança a todo o custo. O manda-chuva do crime organizado preside ao julgamento e leva a encenação até ao último detalhe, destacando um advogado de defesa que, gritam os populares, não passa de um “velho bêbedo”. As alegações do assassino, arrepiantemente debitadas por Peter Lorre, dão-nos conta de que este é um homem incapaz de conter a sua pulsão assassina e que essa tara o persegue e o condiciona desde sempre. Não tem remédio; logo, das duas uma, ou é ali condenado à morte pelo juiz e júri vicários ou é levado a um hospital psiquiátrico por um tribunal oficial, para depois ser libertado e voltar a matar – numa palavra, fica a sensação de que “a Lei não nos protege”.

Encontramos um fundo de legitimidade no tribunal de rua de Lang que não encontramos no homólogo de Losey. Os criminosos e os populares de Lang agem no sentido de compensar um sistema lacunar na condenação exemplar e eficaz do mais censurável dos cidadãos. Losey quer deixar claro que o seu criminoso é um homem como qualquer um de nós, com uma formação que perverteu os seus valores éticos e que agora faz dele um pederasta e um assassino de crianças. Os criminosos sabem que não deverão (mais do que poderão) substituir-se à Lei e, na realidade, pretendem usar a detenção do “criminoso mais procurado” como troféu para melhorar a sua imagem pública e salvá-los, em tribunal, de eventuais condenações futuras. Em certa medida, Losey vai um pouco mais fundo ao pôr em dúvida o conceito de justiça popular e ao desmontar a posição dos seus “homens sem lei”, para citar aqui o filme que Losey realizou um ano antes.

Em The Lawless (Intolerância, 1950), Losey fizera um retrato violento das repercussões que uma notícia mal dada pode ter na sociedade. Esta é a história de um rapaz hispânico que, apanhado por uma bola de neve mediática, se vê nas capas de todos os jornais como “inimigo número um da Nação”. Uma turba em fúria procurará fazer justiça pelas próprias mãos, sendo que o rapaz, inocente, encontra apenas protecção junto de um jornalista local, o herói do filme  interpretado por Macdonald Carey. Este cenário, de deixar a justiça “cair nas ruas”, preocupava grandemente Losey, que nesta altura era sujeito a inúmeras intimidações por parte do Comité das Actividades Anti-Americanas (que acabaria por conduzi-lo ao exílio na Europa) e da sua rede de bufos espalhada por todos os sectores da sociedade, começando desde logo ali, em Hollywood. A paranóia mediática, social e política que se instala em The Lawless ressoa estrondosamente em “M”, como se este último, naquele momento, constituísse a oportunidade ideal para que Losey pudesse desenvolver em filme, e metaforicamente (= até onde o Código Hays permitisse), a sua visão muito crítica do funcionamento da sociedade norte-americana. Losey, em certa medida, sentia-se vítima de um julgamento injusto, sem leis ou de normas incertas, que estava a condenar ao opróbio todos os cidadãos que pensassem de modo diferente da maioria estabelecida.

Nesse sentido, também a sua primeira longa-metragem, a fábula anti-atómica The Boy with the Green Hair (O Rapaz com Cabelos Verdes, 1948), constitui um objecto fundamental para se perceber como cabe o projecto de refazer M na carreira de Losey. Temos aqui uma criança órfã que é discriminada na comunidade onde vive por ter uma cor de cabelo diferente de todas as restantes crianças. Gramp Fry, o homem de bom coração que a acolhe, aceita a diferença até ao momento em que, pressionado por um ambiente de intolerância, acaba por levar o rapaz ao cabeleireiro. A grande lição deste filme não está no discurso da criança contra uma humanidade que caminha para a sua destruição, em guerras cada vez mais bárbaras e desumanizadas; a verdadeira lição está na ideia de que o conflito nasce da incapacidade do homem de reconhecer e compreender a diferença no/do “outro”. Para Losey, “o monstro” de “M” é, antes de mais, um homem como os outros, produto de uma dada circunstância social. Lang não se interessa tanto pelas ‘origens’ do comportamento aberrante ou pela ‘psicologia do criminoso’ e afirmará que a doença da personagem de Lorre é “a sua doença” e não uma “doença de todos”, isto é, uma doença que diz respeito a toda a sociedade, enfim,  uma doença que só será erradicada quando se quiser reconhecer e, passo seguinte e decerto doloroso, compreender a sua “origem comum”.

Que o leitor não me interprete mal: não há discurso de ódio ou de intolerância em Lang, até porque o seu filme humaniza o seu vilão até um certo limite – e é desse limite que aqui trato. Fá-lo sobretudo na sequência final, quando “M” se sujeita à mais humilhante situação possível: ser julgado por um bando de temíveis criminosos, alguns deles procurados por homicídio. Lorre, com o seu corpo contorcido pela dor e pelo vexame, os seus olhos a sair das órbitas, aproxima-se de nós ante o absurdo da situação, mas é no filme de Losey, no monólogo final do assassino (que, outrossim, é  brilhantemente interpretado por David Wayne), que sentimos a potência máxima dessa culpa que está tanto naquele homem que pratica actos hediondos e monstruosos como em nós, cidadãos exemplares que, queremos pensar, em nada nos confundimos com aquele ser. “Eu queria apresentá-lo como o produto de uma sociedade de classe média materialista e dominada pela figura da mãe”, confidenciou Losey a Ciment. A mensagem não é menos pessimista que a de Lang, até porque, como Losey procura dar a entender e continuará a aprofundar mais tarde na sua fase britânica, cada homem tem, em potência, um “tigre adormecido” (sleeping tiger) dentro de si que, por razões várias que normalmente remontam à infância (o papel da criança é também, como se vê, fundamental no cinema de Losey), poderá despertar e desassossegar os “melhores espíritos”.

O monólogo final, filmado num único plano à altura daquele ser humano que fita a morte nos olhos, abre um abismo à nossa frente, como se rasgasse ali todo o tecido das imagens porque, desde logo, nos põe em evidência uma pessoa antes de um monstro, alguém que teve uma infância, na ausência do pai e na presença (excessiva?) de uma mãe zangada com o mundo e com a vida. Ao lado deste indivíduo marcado pelo passado (eis a marca “M” que o precede?) está o advogado, que no filme de Losey é mais que apenas o algo anónimo “velho bêbedo” de Lang. O seu nome é Pottsy e vamos acompanhando a sua história praticamente desde o início do filme. A sua existência, torturada pelo álcool [como o pai/”advogado” do filme intitulado pertinentemente de Time Without Pity (Tempo Impiedoso, 1957)], é um drama que vai emergindo lentamente até atingir o seu clímax no ending trágico. Ele será a única personagem, nos dois filmes (nos dois “emes”), que vemos morrer à nossa frente, quase “em directo”. O seu castigo deveu-se ao facto de não ter sido uma pessoa inteira ou condigna, de ter sucumbido ao embaraço provocado pelo vício da bebida e também, em última análise, de ter defendido, mesmo que “a mando” e como um “faz de conta” para entreter as massas, o monstro inominável.

Ele era um bom homem e teve o seu castigo, diz o “murderer” do filme de Losey no fim, lendo também ali, “em directo”, as consequências trágicas de um julgamento falsificado, apressado e sem ordem. A culpa de “M” é evidente (é a principal evidence de todo o filme!), mas a inocência daquele homem morto à queima-roupa, despido de qualquer réstia de dignidade, também é. É nesta correspondência que Losey encontra o espaço para espraiar a sua visão humanista, plural, progressista do mundo, mesmo que esta acabe sempre temperada pelo pessimismo e o desencanto que enforma boa parte de ou todo o edifício languiano. “M” perde aí as aspas e torna-se numa outra coisa, autonomiza-se da sua “origem” e afirma-se, de corpo inteiro, como um filme novo. Magnífico, por sinal.

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Luís Mendonça

"The great creators, the thinkers, the artists, the scientists, the inventors, stood alone against the men of their time. Every new thought was opposed. Every new invention was denounced. But the men of unborrowed vision went ahead. They fought, they suffered, and they paid - but they won." Howard Roark (Gary Cooper) in The Fountainhead (1949)

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