Jonathan Rosenbaum é um dos mais famosos e mais aguerridos críticos cinematográficos da sua geração. Actualmente na reforma, mantém o seu site de arquivo, JonathanRosenbaum.com, um dos mais visitados na Internet. Acabado de regressar do Brasil e antes de partir para Los Angeles, um dos decanos da crítica cinematográfica americana tirou algum tempo para responder às perguntas de À Pala de Walsh por email.
As suas críticas e ensaios têm frequentemente um vincado substrato político. Porquê? Entre a importância política e a relevância estética, qual considera ser mais importante?
No limite, não acredito que se possa ou deva distinguir entre a importância política e a relevãncia estética; tentar fazê-lo é entrar nalguma forma de negação acerca do que é a arte e do que é a política. Esta é uma lição que aprendi nos sete anos e meio que vivi em Paris e em Londres (1969-1876). Quer a arte quer a política, a meu ver, relacionam-se com o modo como vivemos e o mundo em que vivemos. Devemos ter em conta, por exemplo, que Adolf Hitler era um artista falhado e que Charlie Chaplin, quando tentou derrotar Hitler em The Great Dictator (O Grande Ditador, 1940), foi um político falhado. Tendo a preferir artistas a políticos, mas a forma como vivemos consiste em escolhas políticas e artísticas e não deveríamos ser muito ingénuos ao pensar que ambas podem ser facilmente separadas.
À distância, os Estados Unidos parecem hoje um país dividido, com uma larga e agressiva comunidade conservadora. Esta visão é realista? E se sim, como é que isso influencia os filmes que estão a ser feitos?
Esta é provavelmente uma visão realista e tenho pena de o dizer. Mas ao mesmo tempo, considero um erro confiar-se demasiado no que os americanos pensam, apesar do que os sondageiros e políticos e pseudo-peritos em média e os produtores cinematográficos fingem ser uma forma de ciência vudu que supostamente nos pode dizer o que o público acha. No Movie Wars: How Hollywood and the Media Limit What Films We Can See, o meu livro mais popular, tento explicar alguma desta mitologia de testes de mercado baseados em profecias auto-realizáveis e no desprezo pelo público e penso que esta mitologia é igualmente operativa simultaneamente na política e nos filmes.
A três meses de uma eleição presidencial, como avalia a presidência de Barack Obama e de que maneira esta mudou os filmes que estão a ser feitos em relação aos anos Bush?
Não tenho forma de avaliar que mudanças ocorrem agora nos filmes americanos contemporâneos porque nem sequer finjo estar a par desde que me reformei do Chicago Reader no início de 2008. Como muitos outros à esquerda, aprecio e admiro Barack Obama ao mesmo tempo que estou algo desiludido com ele — sobretudo, penso, porque tenta demasiado agradar a toda a gente, o que é ainda mais difícil de fazer hoje do que no passado. Mas mesmo estando desiludido, fico horrorizado pela perspectiva ou pela mera hipótese de ele não ser re-eleito, especialmente porque tantos dos seus adversários nem sequer acreditam na democracia. (Actualmente, o Partido Republicano está activamente a tentar tirar o voto a pessoas que não tenham posses para ter identificação com fotografia.)
Na América ainda há espaço para ver cinema de autor não-americano?
Claro que sim. Mas pouco frequentemente nos cinemas comerciais geridos por corporações gigantes. Por outro lado, a maioria dos filmes a serem vistos não o estão a ser nas salas de cinema.
Acredita que a importância do cinema enquanto forma de arte na paisagem cultural global está a diminuir? Como vê a evolução da importãncia cultural do cinema?
Para algumas pessoas está a aumentar, para outras a diminuir. Por norma, penso que a qualidade de públicos específicos (e de leitores, já agora) é mais importante do que a quantidade de espectadores ou de leitores. E penso que a sofisticação de alguns espectadores, devido aos visionamentos digitais e à Internet, está claramente a aumentar.
O seu site não permite comentários de utilizadores. Desconfia da comunidade cinéfila na Internet? Ou acredita que a democratização da publicação da opinião teve efeitos positivos?
Durante os meus dois últimos anos no Chicago Reader, recebi muito correio odioso e estúpido e não creio ter aprendido muito de útil e de produtivo com essa experiência. Não quis abrir o meu site a este tipo de resposta, sobretudo porque qualquer pessoa que queira expressar ódio ou apreciação pelo meu trabalho, ou que queira entrar num diálogo sério comigo consegue fazê-lo sem ter de passar pelo site. Esta entrevista é um bom exemplo.
Como Roger Ebert ou o falecido Gene Siskel, escreve a partir de Chicago. Porquê? Nova Iorque ou Los Angeles não seriam mais centrais?
Vim para Chicago em 1987 porque me ofereceram aí um emprego – o melhor emprego que alguma vez tive – e decidi ficar em Chicago depois de me reformar do Chicago Reader, vinte anos depois, porque tinha posses para o fazer (e não tenho posses para viver em Nova Iorque ou em Paris) e porque creio que cidades relativamente aborrecidas conduzem mais ao trabalho. Se vivesse em Paris (a minha cidade favorita) ou em Nova Iorque (talvez a minha segunda favorita), teria uma vida cultural muito mais excitante mas decerto trabalharia menos. A principal actividade cultural em Chicago é o desporto e como não tenho qualquer interesse em desporto é-me mais fácil trabalhar sem grandes distrações. Sou normalmente menos bicho-do-mato e mais sociável quando viajo, o que faço muito frequentemente.
Finalmente, qual a sua opinião do cinema português? Que cineastas conhece e qual a sua opinião do seu trabalho?
A maior parte do que conheço do cinema português consiste das obras de Manoel de Oliveira e Pedro Costa, acerca das quais já escrevi e que tenho em muita consideração. Já vi tudo de Pedro Costa e quase tudo de Oliveira. Também valorizo e respeito o trabalho de Teresa Villaverde, baseado nos poucos filmes que dela vi. Estes são os nomes que me vêem à cabeça e não conheço muitos outros.
A versão inglesa da entrevista (língua em que foi conduzida) pode ser lida aqui.