A estrambólica premissa de Ted (2012) é suficiente para despertar curiosidade em relação ao filme: um miúdo pede um desejo e faz com que um urso de pelúcia ganhe vida. Ele anda, sente, fala; uns anos depois, diz palavrões, embebeda-se, fuma erva, e congrega com prostitutas. Se isto soa vagamente familiar, é porque nas séries de animação de Seth MacFarlane, realizador e co-argumentista de Ted, costuma existir uma personagem assim. Em Family Guy, é um cão; em American Dad, um extra-terrestre. O nome de MacFarlane (ou a sua obra em televisão) despertará ainda mais a curiosidade de alguns. A outros, deixará mais frios ou com um pé atrás.
Ted insere-se no grande tema da comédia americana recente: a maturidade (ou melhor, a falta dela). Ted, a personagem, personifica (vá, “ursifica”) perfeitamente todos os anseios e medos da idade adulta, o apego a alguns prazeres juvenis (ver maus filmes pedrado em vez de ir trabalhar) do protagonista. A John (Mark Whalberg, no seu jeito muito próprio de machão vulnerável), impõe-se uma escolha: uma vida “normal” com a mulher dos seus sonhos (Mila Kunis, num papel com a espessura de um recibo) ou a perene adolescência ao lado do seu estranho melhor amigo (no filme, ninguém estranha, o que é engraçado). Este dilema poderia dar um filme interessante, que buscasse não digo respostas mas algumas perguntas temerárias, para mais quando o público a que se destina está no limiar da vida adulta.
Só que MacFarlane não vai por aí: o conflito é resolvido com uma facilidade exasperante, substituído por outro bem mais rocambolesco (envolve um fã obcecado do urso). A sua intenção nunca foi criar desconforto, por mais pequeno que fosse. Antes pelo contrário. Repare-se que entre os motivos de troça jamais se encontra o potencial espectador. São sempre os outros: os homossexuais, os imigrantes, as “minorias”. Os admiradores do estilo dirão que é provocação, humor corrosivo. Parece mais “provocaçãozinha” para toda a família, que qualquer um pode usufruir sem grandes problemas de consciência. De resto, as piadas baseiam-se em peidos e em referências a séries e filmes dos anos 80 (e não muito mais do que as referências). Flash Gordon (Flash Gordon, 1980) é um dos principais visados, e até aparece Sam Jones, o enxuto canastrão que emprestava o corpo à personagem titular.
No fim, tudo acaba bem. E, apesar dos clichés da comédia romântica que pululam pelo filme fora (e, estranhamente, sem ponta de ironia) — a montagem da depressão, o momento embaraçoso, a mulher que gosta de ver Bridget Jones’s Diary (O Diário de Bridget Jones, 2001) quando está triste, o pretendente oleoso (Joel McHale, desaproveitado) —, essa é a parte mais deprimente. O destino do protagonista é ficar encarcerado na vida mais convencional imaginável: casado, num emprego horrível e sem perspectivas de futuro, mantendo uma relação de dependência com um amigo inconveniente e obnóxio (pouco interessa se é um boneco de pelúcia). Apetece escrever que quem prefere essa vida, gosta de filmes normalizadores e moralistas como Ted. Longe vão os tempos em que a comédia americana vivia da anarquia e dos sonhos extravagantes.